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Aniversário da Diana

Jantar atrasa tudo, mas depois tem filme e hambúrguer

Publicado

Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Acervo Pessoal

Adulta que sou há tanto tempo, lembranças de um passado longínquo são escassas, ainda mais por conta do cargo que ocupo desde que me mudei de cidade, quando a minha filha, Diana, estava prestes a completar dois anos. Hoje, uma sexta-feira, aliás, é seu aniversário de oito. Meu Deus, como o tempo voou! Onde eu estava que nem percebi? Na certa, afundada em infindáveis problemas no trabalho.

O telefone sobre a minha mesa toca, o que me transporta para a realidade. Atendo. É Júlio, meu secretário. Ele me lembra da reunião com um importante cliente, que veio do interior de São Paulo para tratativa que poderia ser facilmente conversada por videoconferência. No entanto, quase octogenário, prefere que seja tête-à-tête.

Assim que entro na sala de reuniões, logo reconheço aquele rosto, apesar de envelhecido, não aparenta mais de 60. Antônio Gonçalves de Almeida, chego a apostar mentalmente, deveria estar em forma, pois vestia um deslumbrante terno com corte moderno, quase justo ao corpo. Constato que ele percebeu meu olhar aguçado, pois logo me lançou um sorriso largo, de quem frequenta o dentista com regularidade.

– Teresa Monteiro! Finalmente, nos encontramos!

– Senhor Almeida!

– Por favor, deixe o senhor de lado. Antônio é melhor. Se preferir, pode ser apenas Toni. É como meus amigos me chamam.

– Toni. É um prazer, finalmente, conhecê-lo, Toni! – digo enquanto apertamos as mãos e lhe lanço um sorriso de alguém que, apesar de não frequentar o dentista mais do que uma vez por ano, ainda assim consegue manter os dentes agradáveis.

A reunião transcorre maravilhosamente bem. Consigo um excelente acordo para o cliente. Obviamente, a empresa também será beneficiada, ainda mais porque o volume de vendas quase triplicará, apesar da redução do valor por item vendido. Lucraremos pela quantidade e, melhor ainda, fidelizaremos o parceiro comercial por mais cinco anos.

Diante de tamanha negociação, sou praticamente obrigada, em nome da empresa, a convidar o senhor Almeida para um jantar. Terei que passar as próximas duas horas na companhia do empresário paulista, que até me pareceu ser um homem divertido. O problema, entretanto, é que hoje é o aniversário da Diana. E, mesmo que a festa já esteja programada para o domingo, prometi-lhe chegar mais cedo para assistirmos aqueles filmes de terror que ela adora.

O jantar se prolonga por quase quatro horas. Confesso que nem percebi quando olhei o relógio e vi que estava perto da meia-noite. Toni, além de ser alguém que gosta de se vangloriar de ter vindo do nada até construir um império, mostrou-se bastante distinto. Um dos raros que não tentou me levar para cama em mais de duas décadas que trabalho na empresa. Ainda por cima, passou boa parte do jantar me mostrando fotografias da família, especialmente da esposa, que me pareceu regular com a idade do marido.

Quando, afinal, abri a porta do meu apartamento, retirei os sapatos, pois aqueles saltos estavam me matando. Caminhei até o quarto da Diana, que parecia adormecida. Assim que me aproximei para lhe dar um beijo, ela abriu aqueles olhos de um castanho como os meus. Lançou-me um sorriso e estendeu os braços. Demos um abraço bem apertado, enquanto lágrimas escorreram pela minha face.

– O que foi, mamãe?

– Nada.

– Então, por que está chorando?

– É que me lembrei do meu pai.

– Sinto falta do vovô.

– Também sinto. Quando eu era menina, mais ou menos da sua idade, ele trabalhava na compensação do banco lá no Centro do Rio. Então, quando ele voltava para casa, sempre comprava um hambúrguer maravilhoso na estação das barcas. Mamãe brigava com ele. “Hambúrguer pra menina de madrugada, Zeca?” Ele respondia: “Deixa, Mary! Ela adora!”

Diana voltou a me abraçar. Um abraço tão gostoso, que me fez querer deitar ao seu lado para dormirmos juntinhas. Que nada! Minha filha arregalou os olhos e sorriu aquele sorriso de quem está com uma ideia fixa.

– Mamãe, que tal ver um filme bem assustador?

– Agora?

– Sim! Mas quero assistir comendo um hambúrguer tão gostoso que nem o do vovô.

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