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Tiro na reeleição

Jefferson mira no que viu, erra e atinge o que não viu

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo - Foto de Arquivo

Aforismo da língua portuguesa, a frase nem tudo que reluz é ouro passa a ideia de que devemos desconfiar sempre de tudo aquilo que parece precioso ou verdadeiro. Em outras palavras, nem sempre o melhor está ao alcance dos olhos. Autor da sucinta reflexão de natureza prática ou moral, o poeta amazonense Augusto Branco definiu a expressão como ninguém: “É preciso estar atento e aprender a perceber melhor as pessoas e o mundo à volta, porque os diamantes não ficam na superfície e são o que de mais valioso há”. É mais ou menos como avalio o governo de Jair Bolsonaro. A cinco dias da definição da complicada e conturbada eleição presidencial deste ano, é necessário que seja uma avaliação sem emoção e com pouca ou nenhuma profundidade.

Se for fundo nos malfeitos, corro o risco de, a exemplo dos também poetas Vinícius de Moraes e Manuel Bandeira, cometer excessos linguísticos e, quem sabe, exagerar nos pleonasmos. Produzido por Vinícius, o verso “E rir meu riso e derramar meu pranto” é tão atual e tristonho como o de Bandeira: “Chovia uma triste chuva de resignação”. Pleonasmo ou redundância é o mesmo que tautologia, rodeio e repetição de ideias, isto é, algo dispensável, mas usado para dar maior clareza ao que se quer dizer. Insistência desnecessária nas mesmas ideias, a redundância a que me refiro é sinônimo do governo de Jair Bolsonaro, cujo preciosismo político é idêntico ao de um menino do pré-maternal prestando vestibular para medicina ou mecatrônica. Após três anos e dez meses de sua posse como presidente da República, não consegue modificar o que diz e contra quem diz desde a campanha.

Dorme, sonha e acorda separando as sílabas do substantivo golpe. Quer pior redundância do que essa? A mesmice dos discursos só não é mais modorrenta porque o público alvo também é sempre o mesmo. É aquela máxima da conversa de bêbado: um finge que fala e o outro finge que escuta. Embora com novas nuances, a forma violenta de fazer política também não foi alterada. Uma das diferenças de 2018 para nossos dias é o nível dessa violência. Hoje, matam adversários em festas de aniversário, agridem jornalistas, ameaçam padres durante as missas e um aliado de primeira hora do mandatário denominado mito acha que, armado até os dentes, pode destratar ministros da Suprema Corte, iniciando, conforme sua torpe imaginação, um pré-golpe na República. No entanto, os tiros dados pelo ex-deputado, mas eterno aliado do bolsonarismo, resvalaram pela culatra.

Ainda não sabemos de onde saíram as granadas ou o armamento de uso exclusivo das Forças Armadas. Por enquanto, são meros detalhes, mas em breve saberemos. O fato concreto é que ficou claro que Roberto Jefferson e seus superiores hierárquicos não aprenderam nada com o mestre e paladino da violência armada Vladimir Putin. Tudo indica que também esqueceram com a rapidez de um raio os ensinamentos do tio Donald Trump. Em 6 de janeiro de 2020, exatamente um ano depois da ascensão do pupilo Bolsonaro, Trump não aceitou o resultado da eleição norte-americana e convocou seguidores para um protesto em Washington. Seguida da invasão do Capitólio (o Congresso dos EUA), a manifestação ocorreu justamente na data em que as duas casas legislativas dos Estados Unidos se reuniriam para ratificar a vitória de Joe Biden.

A alegação falsa do derrotado é que houve fraude nas votações. Parece ficção, mas a realidade é similar entre o Brasil de Jair Messias e os EUA de Donald Trump. A outra diferença de 2018 para hoje está no timing do pré-golpe. Ainda como mandatário, o magnata e aprendiz de político norte-americano “articulou” a invasão do Capitólio uma semana após o leite derramado. Aqui, comandado por forças do além, Roberto Jefferson “decidiu” começar a desenhar a batalha uma semana antes. Deu com os burros em uma cela individual e calorenta de Bangu 8, um paradisíaco resort no longínquo subúrbio do Rio de Janeiro. E por lá deverá ficar pelo menos até que as urnas eleitorais decidam o futuro de Bolsonaro e de seu entorno. De minha parte, redundância maior é repetir narrativas comprovando que o governo Bolsonaro, com a máquina na mão e sem paridade de armas, fez (e faz) o possível, o improvável e o impossível para ganhar a eleição.

E não está ganhando. E está difícil de ganhar. A sujeirada do pleito não é nenhum segredo para parte dos 156 milhões de eleitores. A outra parte viu, mas finge não ter visto. Não quer nem saber que a desigualdade de direitos é a primeira condição para que haja direitos. Aliás, igualdade é um dos termos que faço questão de redundar à exaustão, sem medo de sobejar. Ao imaginarmos um mundo de igualdade como um sonho, nos esquecemos que um mundo com menos diferenças é pra lá de possível. Pensemos nisso. Em 30 de outubro, lembremos que um futuro de igualdade começa com um presente de participação. Repetindo pela última vez o nome de Roberto Jefferson, devemos creditar a ele o eventual fiasco da campanha bolsonarista. Exímio atirador, ele mirou nos policiais, mas seus tiros e os estilhaços das granadas atingiram em cheio a reeleição do mito.

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