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Malandros

Joel, o dono do sorriso irresistível

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Autor/Imagem:
Cadu Matos - Foto Francisco Filipino

Joel não havia terminado o ensino médio, mas era doutor. Em malandragem.

Dono de um sorriso irresistível, de olhos que irradiavam sinceridade, logo aprendeu em mobilizar esses atributos para obter vantagens. Na escola, era disputado a tapa por muitas meninas, as mais gostosas; fora o iniciador de várias delas. Já os rapazes o convidaram para os times de basquete e futebol do colégio. Não suava a camisa, mas, de algum modo, era visto como um dos responsáveis pelas vitórias. Talvez por sempre abraçar o herói do jogo e voltar para o público e as câmeras o seu sorriso, mais cativante que o do autor do gol ou da cesta.

Outra característica de Joel era colecionar citações, frases descontextualizadas, obtidas em leituras sem método, selvagens. Uma de suas prediletas, que teria uma importância decisiva em sua trajetória, ensinava: “Nasce um otário a cada minuto”. A frase é erroneamente atribuída a Phineas Taylor Barnum, fundador de um circo famoso, primeiro milionário do show business, mas há versões anteriores a seu nascimento, em 1810. Seja como for, expressa uma verdade imemorial, que Barnum, Joel e tantos outros malandros souberam explorar, ao longo dos séculos.

Outra citação favorita do Barnum tupiniquim é atribuída a Maria Letícia Bonaparte, mãe de Napoleão. Ao ver seu filho, imperador dos franceses desde 1804, instalar seus irmãos e irmãs em tronos por toda a Europa, ela teria dito: “Pourvu que cela dure” (contanto que isso dure).

As duas citações seguiam sentidos opostos, equilibrando-se. A primeira pressupunha uma oferta inesgotável de otários, ovelhas a alimentar os lobos; a segunda, banho de água fria, lembrava que nada dura para sempre e alertava para os riscos de tudo terminar antes do previsto. Daí a necessidade de manter os pés em terra, de conservar uma boa dose de pessimismo epistemológico, de seguir o exemplo da econômica mãe de Napoleão.

No início de sua carreira de profissional da malandragem, Joel baseou-se bem mais no otimismo de seu guru americano. Afinal, sem dúvida havia um número muito maior de bobões do que de espertalhões, de ovelhas do que de lobos, esperando para ser devoradas ou, no mínimo, tosquiadas. Se Letícia o advertia sobre os riscos da coisa, ele esperava ter uma vida tão vitoriosa e tão longa quanto Barnum, morto aos 81 anos. Que tudo durasse até a sua morte, era o que pedia aos deuses.

Joel enveredou pelo ramo das finanças, terreno propício a falcatruas de todo gênero. E optou pela comprovação matemática e geométrica de que há incomparavelmente mais ovelhas do que lobos: a montagem de pirâmides. Seu olhar sincero e seu sorriso encantador ajudavam-no a seduzir otários, que traziam suas economias para o esquema, esperando enormes lucros. Em uma segunda fase, adotando o exemplo de Letícia, reservava prudentemente para si boa parte da grana.

Contudo, se pirâmides egípcias, maias e de outras civilizações antigas resistiam aos séculos, aquelas cimentadas pela credulidade logo desabavam. Foi o que aconteceu com a de Joel. Milhares de ovelhas perderam tudo e, esquecendo por um momento sua timidez, contataram-se pelo whatsapp e outras redes sociais e organizaram a invasão da luxuosa sede da companhia do Barnum botucudo, situada em um 40º andar.

Mais de 300 otários enraivecidos invadiram o prédio. A grande maioria foi contida pelos seguranças, mas uns 20 irromperam no escritório de Joel. Quebraram a janela e o lançaram no espaço.

Ele ainda teve tempo de dizer, “Pourvu que cela dure”, mas não durou, a lei de gravidade é inexorável. Segundos depois, estatelou-se no chão.

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