Na fila do pão
Jonas, Lorena e o bilhete
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Os sonhos de mudar o mundo ficaram para trás. Não que Jonas tivesse planos de se tornar Napoleão, mas, quando era menino o suficiente para imaginar tolices, chegou a pensar que fosse indestrutível, até que se percebeu apaixonado pela primeira vez. Lorena, filha única dum casal austero.
Sem saber se era correspondido, o agora adolescente titubeou por quase um mês, até que, por um desses acasos na fila do pão, percebeu que a garota dos seus devaneios acabara de deixar cair um pedaço de papel. Ele sentiu que era a oportunidade perfeita para se aproximar e, então, abaixou-se, pegou o objeto e, quando já ia entregá-lo, eis que Lorena, olhos arregalados, praticamente fugiu da padaria.
Ninguém pareceu notar aquela situação, no mínimo, esdrúxula. Atordoado, Jonas foi resgatado ao planeta Terra quando foi cutucado no ombro por uma senhora logo atrás na fila.
— Ei, é a sua vez.
O distraído pediu os quatro pães de sempre e, no caminho para casa, se lembrou do papel. Foi aí que percebeu que aquilo era um breve bilhete.
Domingo, depois da missa, atrás da igreja.
Jonas, pela primeira vez na vida, sentiu-se homem. Sim, aquele momento era divisor de águas e, finalmente, experimentou a sensação de pertencimento. Um homem! E, ainda por cima, que tinha namorada.
A semana se arrastou como se agisse de propósito contra os anseios do jovem apaixonado. Porém, apesar da demora, o domingo se fez presente. E chegou carregado de desejos, próprios da fase ornada por turbilhão de hormônios. Certa insegurança, é verdade, mas que não seria capaz de impedir o rapazola de realizar vontades reprimidas.
Mesmo não sendo religioso, Jonas fez questão de assistir ao culto. E arrumou local não tão perto da moça. Não era de bom alvitre provocar cizânias desnecessárias, já que Lorena estava sentada ladeada pelos pais.
Aguardou o padre Júlio se despedir dos fiéis, quando notou que o pai e a mãe de Lorena começaram uma conversa com outro casal, momento em que guria aproveitou a oportunidade e saiu do recinto. Jonas, mesmo com as pernas bambas, foi atrás da amada. E, durante o curto percurso, não havia como não pensar em como a garota era esperta.
Assim que pôs os pés para fora da igreja, Jonas pareceu ter perdido Lorena de vista. Seja como for, o bilhete não deixava dúvida e, decidido, o adolescente se dirigiu para os fundos da igreja. Mal chegou, encontrou certa dificuldade para acostumar a visão ao ambiente escuro. Apertou os olhos e, só então, conseguiu entender toda aquela situação.
Lá estava a bela Lorena, o amor da sua vida, aos beijos e abraços com Pedro. O bilhete, afinal, não era para ele, mas para o sujeito que estava logo à sua frente na fila do pão.
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Eduardo Martínez é autor do livro ’57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’ (Vencedor do Prêmio Literário Clarice Lispector – 2025 na categoria livro de contos).
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