Sobradinho
Laurindo Guimarães, um tipo frio e extremamente violento
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Frio e extremamente violento. Foi assim que ouvi pela primeira vez as qualidades de Laurindo Guimarães, notório homem do crime do Capim Meloso, região obscura de Sobradinho, no Distrito Federal. Não muito alto, mas corpulento o bastante para enfrentar quem se atrevesse a cruzar o seu caminho, o sujeito fez inimigos por onde passou. E se conto essa história quase esvaído de receio, é porque o sujeito bateu as botas no mês passado, já beirando os 90 anos.
— E tu por acaso tem medo de um velho dessa idade?
— Pois aguarde e ouça, Pedrito.
— Hum! Tu é mesmo um frouxo, Rogério!
— Frouxo, é? Então você que é o valentão? Queria ver se você ficaria assim com essa cara de brabo na frente do Laurindo Guimarães.
— Pois conte logo, que preciso esticar as canelas porque a Rafaela hoje quer sair hoje pra comemorar.
— Comemorar, é? E vocês vão comemorar o quê?
— Num é da sua conta. Fale logo sobre esse tal Laurindo das couves.
— Guimarães! Olha que o bicho era tinhoso com brincadeira desse tipo.
— Pois conte logo, vá!
Como estava dizendo, Laurindo Guimarães era frio e extremamente violento. Um tipo assim meio Lampião e Zé do Caixão. Ninguém podia com ele, e os que se atreviam a tentar logo se arrependiam, pois o cabra era bom de tiro e, se as balas acabassem, cortava o bucho do petulante com a peixeira.
Era noite escura, dessas de fazer medo até em assombração, quando três forasteiros… Digo que eram forasteiros porque me contaram, mas nem precisavam me falar, pois só gente de fora que se atreveria a enfrentar o Laurindo. Só besta mesmo para tentar a sorte com quem não deve.
Pois esses três desaforados viram o Laurindo cambaleando quando já passava da meia-noite, como se estivesse bêbado. E acredito que estivesse, já que o homem era chegado a uma branquinha, fosse com limão, fosse com mel, fosse até pura. Ele gostava de andar calibrado.
Os atrevidos quiseram meter um assalto justamente no tipo mais indigesto que já pisou por aqui. Lógico que nem desconfiavam na enrascada que estavam se metendo, ainda que o homem estivesse bêbado. Ainda que estivessem armado de revólveres e atirassem de longe, precisariam ter pontaria certeira, pois o chumbo viria grosso do outro lado. Mas não! Confiaram nos punhos e se deram mal.
Os caras cercaram o Laurindo e começaram a ameaçá-lo. Queriam não apenas roubar a carteira, mas a honra do sujeito. E você sabe, né, que sujeito homem não se dobra facilmente, ainda mais um tipo que nem o Laurindo Guimarães. Ih, aquele lá era osso duro de roer até para onça-pintada.
Mandaram o Laurindo passar a carteira e falaram que iriam lhe dar uma surra que nem mãe dá em menino. Mal terminaram de dizer tais palavras, o primeiro tombou com um murro no nariz. E o coice foi tão forte, que os comparsas se assustaram com o som seco de osso partindo.
Os dois devem ter pensado em fugir, mas não o fizeram porque as pernas, de tão trêmulas, não deixaram. E o sopapo comeu solto, até que, ensanguentados, foram ao chão. Mas a coisa não parou por aí. Aliás, foi a partir daí que o festival de horrores teve início.
Se fosse outro, certamente iria embora e a história acabaria daquele jeito. Porém, as coisas não funcionavam assim com o Laurindo. Não mesmo! Violência era tão arraigada nele, que eram os raros que se atreviam a lhe olhar nos olhos.
Laurindo abriu o bucho dos três desafortunados, arrancou as tripas e deu para alguns vira-latas que estavam por ali. Pegou o fígado de um e arrancou um naco com os dentes. Engoliu. Mordeu mais um pedaço, mas pareceu não apreciar o gosto. Cuspiu. Depois foi embora, enquanto os cachorros se refestelaram com aquele banquete.
Assim que amanheceu, os moradores encontraram os corpos. Todos sabiam que aquilo só podia ser obra do Laurindo Guimarães. Ninguém teve coragem de denunciar. E quando o camburão chegou ao local, os policiais tiveram certeza de que o autor era o Laurindo. E você acha que prenderam o homem? Nananinanão. Para você ver! Nem a polícia queria bater de frente com o demônio.
Pois é, esse era o Laurindo Guimarães, o tipo mais desalmado que já pisou por estas bandas. Ninguém podia com ele. Dizem até que não era humano. Falavam que era bicho. Mistura de cachorro louco com jararaca.
— Pedrito, meu amigo, você tá bem?
— Posso usar o seu banheiro? Num sei o que me deu, mas parece que esse torresmo não me caiu bem.
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Eduardo Martínez é autor do livro ’57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’ (Vencedor do Prêmio Literário Clarice Lispector – 2025 na categoria livro de contos).
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