Paradoxos brasileiros
Lula, como Trump, tem seus incômodos percevejos colados ao pé da orelha
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Eleito enrolado na bandeira da paz e na solução dos conflitos em curso, Donald Trump vive às voltas com uma guerra de resultados imprevisíveis e sem discurso capaz de amenizar as críticas decorrentes da inflação acelerada dos Estados Unidos. São esses os principais dilemas do mestre dos males desde que ele substituiu Joe Biden na Casa Branca. Líder supremo da teocracia do Irã, o aiatolá Ali Khamenei é o percevejo da vez no sapato do presidente republicano, envolvido até a medula na defesa do sanguinário Benjamin Netanyahu. Paralelamente, conforme dados do próprio governo norte-americano, a inflação dos EUA teve alta anual de 2,9% em 2024.
Incômoda, mas tão assustadora e preocupante como a do Brasil, onde a expectativa é de 4,6% para 2025 e 4% para 2026, bem longe da meta de 3% estabelecida anteriormente pelo Lula 3. Ou seja, por aqui os índices inflacionários começam a perfurar as alpercatas de Lula e a cutucar o joanete dos que bombearam sangue para o lado direito, adormecido desde o fracasso do golpe de 2023. A leitura simplificada da afirmação acima é que, independentemente da força política de seu comandante, não há governo no mundo que consiga se equilibrar sobre números negativos, tampouco escondido com medo das bombas inimigas.
Se chegarmos à página 2, a manchete anunciada é que, associado à língua afiada dos extremistas de direita, o cutelo do eleitor desapegado de ideologias estará de ponta para cima até outubro de 2026. Até lá, não adianta mais esperar por aquela madrugada, muito menos perguntar para onde vai a estrada. A ordem é seguir os conselhos de Milton Nascimento e de Ronaldo Bastos, imaginar metáforas novas, enfrentar os paradoxos e, principalmente, usar a fé e a paixão do povo como uma faca amolada, cortante e pronta para enfrentar os desafios que o golpe armado pelo Congresso contra o governo Lula imporá aos clássicos discursos da esquerda.
O primeiro paradoxo a ser enfrentado é tentar explicar à sociedade a razão pela qual o Brasil, sendo um dos maiores produtores agrícolas do planeta, tem a comida tão cara. Embora finja desconhecer publicamente o assunto do preço dos alimentos, Lula da Silva sabe que a espada pode despencar sobre sua cabeça a qualquer momento. O tempo do plantio está perdido. Parece que o da colheita também. Fotografia de um dia de tempestade, o crescimento dos índices de reprovação do presidente mostra que a realidade da mesmice engoliu a expectativa das mudanças.
Na pior das hipóteses, as últimas pesquisas mostraram que, mesmo com a inelegibilidade de Jair Bolsonaro, Lula e os petistas não estão sós. Há meio mundo na cola deles. Enquanto aguarda e torce por cenários menos tenebrosos, o eleitor brasileiro também se mantém em compasso de espera. Cético e desesperançoso, até os nordestinos, antigos carreadores de votos para o cidadão Luiz Inácio Lula da Silva, ameaçam abandonar o presidente em eleições futuras. Duvido, mas nada no jogo político do Brasil é mais impossível.
As mudanças devem começar quando Donald Trump tiver de se dedicar de corpo, alma e cabeleira na solução da guerra entre Israel e Irã. Ali Khamenei já provou que não acredita nas bravatas do líder republicano e no ego de Netanyahu, cuja dependência bélica dos Estados Unidos é muito maior do que sua falácia de estrategista em conflitos. A dedicação de Trump à refrega no Oriente Médio também esvaziará o poderio de fakes do clã Bolsonaro. Em outras palavras, o presidente dos EUA não terá mais tanto tempo de servir como escudo protetor da família que ainda se acha dona do pedaço.
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Sonja Tavares é editora de Política de Notibras