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Passado e atualidade

Lula precisa ter cuidado e evitar casca de banana

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Juliana Antonangelo*/Especial para Notibras

Há cerca de dois anos, em setembro de 2020, o PT publicava o seu Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil. O Plano apresenta uma mistura declaratória de intenções e ideias e busca elencar vários problemas conjunturais identificados como prioritários para melhorar a vida da população. O documento de 220 páginas é a base eleitoral das diretrizes políticas do PT e pode ser considerado uma carta de intenções do novo governo eleito para o período de 2023 a 2026.

Não estão contidos no Plano de Reconstrução os ingredientes necessários para uma alquimia de transformação do país, da água para o vinho, mas a recente inclusão de Geraldo Alckmin no campo petista, como figura representativa da esquerda populista, e negociador da transição entre governos, é um exemplo de que tudo é possível na arte da política. A estratégia mais óbvia do Plano de Reconstrução residirá mesmo na tentativa de resolução dos problemas do país, voltando o PT ao poder e colocando a mão na massa.

Depois da resposta positiva das urnas, o período de transição entre os governos começou com a notícia de um apagão encomendado nos discos rígidos de computadores da administração pública federal. A suspeita principal aponta para o poder discricionário do “manda quem pode; obedece quem tem juízo”, mesmo que tal cumprimento de ordem se configure, no mínimo, como ilícito administrativo.

O cenário de impunidade de uns e privilégios de outros desperta de imediato o interesse em saber como a coalização político-partidária vencedora das eleições vai tratar do problema mais crucial à democracia brasileira: “O que fazer para a Justiça resgatar o papel de guardiã da Constituição brasileira de 1988”? Não bastará mandar os militares da ativa para os quartéis e os da reserva para as suas vidas privadas. Isso passará necessariamente por um amplo debate sobre a redefinição do Sistema de Justiça, que deve responder ao desejo popular de combater a corrupção, processar e julgar, conforme a lei, quem colocou a mão no butim ou cometeu algum crime ou malfeito.

A expressão “Constituição de 1988” aparece seis vezes no Plano de Reconstrução do Brasil assinado pela Fundação Perseu Abramo. Na última vez em que surge no texto, é proferida no contexto das prerrogativas de convocação de referendos e plebiscitos à iniciativa popular e ao Presidente da República. Pode estar aí um caminho democrático a ser adotado para a “radicalização da democracia e refundação do Estado”, esta última uma necessidade pré-estabelecida e estampada no mesmo documento.

Lula passou 580 dias em masmorra especial, armada na sede da Polícia Federal, em Curitiba, por conta de perseguição promovida por um juiz parcial e seu cúmplice promotor, este último bem-aventurado pelo propósito divino de combater a corrupção ao lado dos apóstolos do lavajatismo. Quando deixou a prisão em 08 de novembro de 2019, por ordem da juíza Carolina Lebbos, Lula já sabia que a sua missão seria recuperar o seu legado político e limpar o seu nome, que tantos operadores do Poder Judiciário concederam permissão para sujar e, possivelmente, não fosse ele um guerreiro incansável, espalhar as suas cinzas.

No dia 09 de novembro, exatamente três anos do martírio sofrido por um sistema de justiça viciado pelo lawfare, o primeiro compromisso de Lula em Brasília foi se reunir com todos os ministros da Suprema Corte. Assim, ele cumpriu a promessa inicial prevista em uma das diretrizes propostas de governo: “estabelecer um diálogo permanente com os atores do Judiciário, com respeito à sua independência, para estimular o aperfeiçoamento, em todos os níveis do sistema de justiça, da prevalência da cidadania e da soberania democrática”.

Pode não ter sido o momento oportuno, mas o que o Plano de Reconstrução do Brasil previu debater há dois anos com os ministros, no âmbito da diretriz anterior, é uma reforma constitucional que promova alteração na estrutura de Estado, a começar pelas carreiras do Judiciário, do Ministério Público e dos órgãos do Sistema de Justiça e Segurança Pública. A proposta de governo escrita pelo PT propõe mudanças nas composições e estruturas de comando e controle do Sistema de Justiça, descrito como “verdadeiro Estado autárquico, com uma atuação dissociada da sociedade e dos interesses nacionais”.

Após o encontro com dez dos onze ministros do STF, Lula teve uma prosa diferenciada com o ministro presidente do TSE, Alexandre de Moraes. Muito provável que eles não tenham discutido o assunto juristocracia. O foco da conversa deve ter sido o processo eleitoral em que “Xandão” se tornou uma celebridade na defesa da veracidade do sistema de votação eletrônico e pela tentativa sistemática de calar os agentes das táticas de fakes news.

Sobre este tema, que traz à memória a ameaça da volta do clima de censura, é importante lembrar outra das diretrizes programáticas do próximo governo do PT: “é preciso fortalecer a legislação, dando mais instrumentos ao Sistema de Justiça para atuação junto às plataformas digitais no sentido de garantir a neutralidade da rede, a pluralidade, a proteção de dados e coibir a propagação de mentiras e mensagens antidemocráticas ou de ódio”.

Nota-se que o PT deixou muitas vezes um legado controverso com estas apostas teleológicas que acabam se voltando contra o povo ou contra o próprio partido. Fortalecer a legislação desembocou na criação das leis da ficha limpa, da delação premiada e da lavagem de dinheiro, por exemplo, que resultaram em cascas de banana jogadas no caminho do regime democrático. Vale a pena ficar de olho no tiro que sai pela culatra ou ricocheteia: uma boa legislação não significa que ela seja aplicada corretamente, pois é preciso respeitar a Constituição. Vem aí mais uma casca de banana petista para o Estado Democrático de Direito? Olhem por onde pisam!

*Ativista de Direitos Humanos

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