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Centrão é pedra no sapato

Lula precisa usar razão, encostar emoção e assumir rédeas de vez

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Autor/Imagem:
Armando Cardoso* - Foto de Arquivo/Ricardo Stuckert - ABr

Apesar da comoção pela morte de milhares de inocentes, da preocupação e do envolvimento mundial, a guerra entre o governo de Israel e o Hamas serviu para recolocar o Brasil e o povo brasileiro em outro patamar. Após quase uma década sem protagonismo político e de um vácuo de autoridade sem precedente, o país voltou ao cenário dos grandes debates com Luiz Inácio Lula da Silva, legitimamente eleito presidente da República pela terceira vez. Embora os conflitos de interesse estejam na crista da onda, não há que se atribuir a um mandatário que ainda não completou seu primeiro ano de mandato derrotas que não são apenas dele, mas de um conjunto de fatores que extrapolam o ambiente do Palácio do Planalto.

No caso específico do conflito, o governo brasileiro, por meio da diplomacia e das numerosas propostas de diálogo, tentou mediar o confronto, sugerindo por diversas vezes um cessar-fogo. Os interesses dos que apoiam um e outro lado impediram todas as proposições de Lula. No plano interno, o problema é de costume. Durante quatro anos, aquele governante que dizia saber de tudo, mas não sabia de nada, preferiu se isentar de suas responsabilidades, delegando ao Legislativo a tarefa de tomar as grandes iniciativas e de governar o país. Mesmo com as dificuldades apresentadas, Lula precisa entrar de vez na “briga”, de modo a recuperar a condução política do Executivo nacional.

Até que o país entre de novo nos eixos, entendo que eventuais derrotas pontuais não devem ser creditadas a um líder reconhecidamente inteligente e que está reaprendendo a pisar em terrenos pantanosos e apinhados de ariranhas e cobras peçonhentas. É primário culpar alguém que herdou um “latifúndio” minimamente gerenciado por pessoas que nunca foram do ramo. Ciente das dificuldades de uma reeleição, a decisão foi pela tática de terra arrasada, cuja máxima é destruir tudo que possa ser proveitoso e eventualmente utilizado pelo “inimigo”, inclusive a relação de parceria com o Congresso Nacional, sobretudo a Câmara dos Deputados, comandada com mãos de tesoura pelo czar Arthur Lira (PP), o sacerdote dos templos arrecadadores das Alagoas.

Aparentemente, no Senado o radicalismo e a sede de poder são menores. Na Casa Revisora, as disputas políticas não parecem comprometer ou influenciar o interesse coletivo. Como diria o poeta, o bom caminho é haver volta. E a pavimentação desse novo caminho começa a surgir nas cabeças pensantes do presidente e de todos aqueles eleitos com a intenção de priorizar o povo brasileiro. Nos últimos dias, Lula arregaçou as mangas. Os primeiros passos rumo à reconquista da primazia de governar já foi conquistado: o arcabouço fiscal, a medida provisória sobre a estrutura dos ministérios, ambos aprovados com folgada maioria na Câmara, e agora a reforma tributária.

E por que chegamos a essa situação conflituosa? Arte do possível, a política brasileira normalmente se traduz – pelo menos se traduzia – em lados distintos. Cristalizado em passado recente, esse “fenômeno” era um complicador, mas, no fim e ao cabo, gerava discussões parcimoniosas de lideranças, isto é, de grupos. Havia parlamentares que defendiam projetos corporativos e outros brigavam pelas propostas fisiológicas. Para sorte do país e do povo, mesmo representando linhas ideológicas antagônicas, a maioria debatia grandes teses, tinha projetos de interesse público convergentes.

Está aí a diferença para a complexidade do atual Congresso. Se no passado a dimensão e o fervor político alcançavam as grandes corporações, hoje o maior e mais eficaz interesse é pessoal e das pequenas oligarquias regionais, ambos transladados para o fisiologismo. O resumo da ópera é que nos Congressos de 2018 e de 2022, cada parlamentar era e é uma negociação. Independentemente da força do governante, e de seus negociadores, obviamente que isto torna desgastante e trabalhoso o trabalho de articulação política. Não é das mais fáceis a tarefa de recuperar o protagonismo do Executivo e o equilíbrio entre os poderes. Para o bem do Brasil, Lula tem de trabalhar firme para rapidamente dirimir a dúvida e a tirania existentes entre a razão e a emoção. Com o apoio de todos que pensam primeiro na nação, não tenho dúvida de que ele usará a parte positiva das duas.

*Armando Cardoso é presidente do Conselho Editorial de Notibras

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