Os pais do Chefe
Madalena e o inusitado pedido
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Não faz muito tempo, em abril deste ano para ser mais preciso, fui passar al-guns dias na casa do José Seabra, vulgo Chefe, no aprazível município de Cabo de Santo Agostinho, Pernambuco. Fui a convite dele, uma espécie de premiação por ter ultrapassado a marca dos mil contos publicados no Notibras.
— Edu, esteja aqui no máximo na semana que vem. E traga a Dona Irene e a Malulinha, que casa boa é aquela que tem bagunça.
Quando ele me disse isso, imaginei como seria a casa do saudoso casal Madalena e Geraldo, pais do Chefe. Por quê? Bem, até para os padrões da época, os dois extrapolaram o número da prole: 10.
Assim que chegamos, percebi um porta-retrato sobre a estante. Não tive dúvida e, antes que o Chefe tivesse oportunidade de me apresentar ao belo casal da fotografia, que transpirava felicidade e, talvez mais importante, cumplicidade, fiz-lhe uma pergunta quase afirmação.
— É a sua mamãe e o seu papai, né, Chefe?!
— E como é que tu sabe?
— O DNA é forte!
O sangue libanês se faz presente em toda família. É impressionante como os saudosos Madalena e Geraldo deixaram sua marca nos filhos, netos, bisnetos… Seja na expressão dos olhos, seja no modo de sorrir, seja até no caminhar. E me senti parte disso tudo, de tantas histórias que ouvi sobre o casal.
Soube pelo Chefe que o Geraldo, ainda rapazola, quase se tornou padre. Mas eis que, quando foi experimentar a batina, acompanhado da mãe, avistou uma linda mulher toda de vermelho. Da cabeça aos pés. Ele se virou para a mãe e, com voz determinada dos que decidem moldar o próprio futuro, disse:
— Mamãe, não vou mais ser padre.
— O quê? Tá maluco?
— Talvez. Mas vou me casar com aquela linda comunista ali.
Os dias na residência do Chefe foram maravilhosos. Íamos todos os dias na linda praia de Itapuama e, à noite, saíamos para comer pastel ou alguma iguaria da região. Inclusive foi durante a nossa estada por lá que o Seabra fez o irrecusável convite para a minha mulher, ser colunista diária no Notibras, com direito até à criação de nova editoria: Dona Irene. Mas chegou o tempo de retornar e, com aperto no coração, nos despedimos no aeroporto do Recife.
Não sei se foi a saudade que bateu ou aquela fotografia da Madalena e do Geraldo, no porta-retrato da estante do Chefe, mas o fato é que sonhei na madrugada de ontem, dia 1º de dezembro, com a mamãe do Seabra. Aliás, nem sei se foi sonho, pois me pareceu mais uma aparição. Tanto é que, impressionado que fiquei, e sabendo que o meu amigo possui um fuso-horário bem pra lá de Bagdá, ou melhor, de Beirute, eis que lhe mandei uma mensagem: “Chefe, acordado? Posso te ligar?”
Ansioso que estava, os pouco mais de 30 segundos seguintes me pareceram horas, até que recebi a resposta: “Claro que pode, Número 1!”
E foi o que fiz.
— Chefe, você não vai acreditar!
— Primeiro me conte ou, então, não vou saber se vou acreditar ou não.
— Chefe, sabe quem veio me visitar?
— Pelo avançar das horas, deve ter sido uma coruja.
— Tô falando sério! Não faz ideia?
— Diga logo, que estou curioso.
— A Madalena.
— Mamãe?
— É!
— Hum!! Ela não perde esse hábito.
As palavras do Chefe, em vez de me tranquilizarem, me encheram de ansiedade.
— Como é que é?
— Edu, o lance é o seguinte. Hoje é aniversário da mamãe. E todo ano ela gosta de ser lembrada. Mamãe sempre aparece para alguém nesse dia. Só não esperava que ela fosse aparecer justamente pra você.
Ouvir aquela explicação me deixou ainda mais confuso.
— Tá, Chefe! Mas por que ela fez isso?
— Ih, Edu, mamãe quer que você escreva algo sobre ela.
— Sério?
— Num tô te falando?!
— E o que ela quer que eu escreva?
— Sei lá! Isso é com você e mamãe.
Fiquei mudo por alguns instantes, até que o Chefe me veio com essa:
— Ah, Número 1, tem uma coisa.
— Que coisa?
— Melhor caprichar!
— O quê?
— É que mamãe é muito vaidosa.
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Eduardo Martínez é autor do livro ’57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’ (Vencedor do Prêmio Literário Clarice Lispector – 2025 na categoria livro de contos).
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