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9 fora, 1

Mandetta quer disputar eleição, mas sem balaio

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Autor/Imagem:
Beatriz Jucá e Afonso Benitez/El País - Edição de Mário Camargo

Luiz Henrique Mandetta, ex-ministro da Saúde, é declaradamente pré-candidato ao Palácio do Planalto nas eleições do próximo ano. Ele tenta costurar uma aliança de centro, mas avisa que se os candidatos (desse grupo) forem muitos, ele recua. O pensamento dele é algo do tipo balaio com muita gente pode pesar e ninguém ter forças para carregar. Essa posição ficou clara em entrevista à edição virtual em português do jornal espanhol El País.

Na entrevista ele disse “estar pronto” para as eleições presidenciais de 2022 e conversa a respeito com nomes que vão de Ciro Gomes (PDT) a João Dória (PSDB) em busca de construir uma terceira via alinhada ao “centro político” ― em alternativa a Lula e a seu ex-chefe, o presidente Jair Bolsonaro, que lideram as últimas pesquisas eleitorais.

Na avaliação do ex-ministro, há grande margem política para trabalhar o campo alternativo, sedo possível, portanto, buscar um consenso para não fragmentar as opções.

“Se fragmentar esse centro, se tiver três, quatro, cinco candidaturas, não conte comigo. Eu não vou fazer esse papel pra conspirar, para que os extremos consigam, com os seus cercadinhos de radicais, ir pro segundo turno. Acho que é pra entrar para vencer a eleição”, afirmou.

Mandetta não descarta que ele próprio seja o nome para representar este centro político, com o capital eleitoral que ganhou após deixar o Governo em abril do ano passado por discordâncias com Bolsonaro sobre medidas de isolamento social e o uso de cloroquina na pandemia.

O médico, que tem feito críticas a Bolsonaro e depôs na CPI da Pandemia no início do mês, avalia que a comissão do Senado ainda está sendo trabalhada de forma errática ao discutir o uso da cloroquina, embora veja bastante material para identificar a digital do presidente na demora para comprar vacinas. “Eu me arrependo de ter acreditado que Bolsonaro queria um trabalho técnico”, afirma.

Veja trechos da entrevista:

Você tem se colocado na linha de frente dos políticos de centro-direita para apresentar um nome para a eleição presidencial de 2022. Hoje já conseguem apresentar uma candidatura única?

O que a gente está trabalhando agora é esse conceito de uma pré-aliança. De uma coisa aonde a gente já possa nascer, para discutir, fazer os debates. É para que a gente possa ter um ponto de convergência. Temos um bom caminho, um bom número de partidos já preparados pra ir para essa fase. E temos alguns partidos que estão ainda discutindo questões internas, de quem é o nome [a ser apresentado], como o PSDB, que está muito confuso. O PSDB tem quatro possíveis candidatos, está pensando em fazer prévias, não sabe se a prévia vai ser em outubro ou em março do outro ano. Então, não é possível aguardá-los indefinidamente. A gente está tentando se organizar pra ver se consegue iniciar essa construção no final desse primeiro semestre. Queremos conversar com uma parte significativa da sociedade que não quer os dois extremos. Tem muita gente que não quer nem esse presente amargo, nem esse passado tenebroso.

E quais desses partidos estão mais maduros nesta composição?

Eu acho que o Democratas já está com o processo bem avançado para uma sinalização de que não estará ligado aos dois polos. Também estão o Cidadania, o PV, o Podemos, talvez o Novo. Eles são partidos que não aderiram a Bolsonaro ou ao Lula. Os que aderiram a eles não têm opção, são satélites dos campos de extremos. O PSD é um partido que está discutindo internamente, está amadurecendo, o MDB também. Com esses a gente vai mantendo os diálogos, vai conversando, vai mostrando caminhos. O pano de fundo disso é a construção das candidaturas regionais.

Esses debates não foram precipitados?

Os partidos estão numa fase que, normalmente, levaria esse ano inteiro. E se chegaria no início de 2022 com a apresentação de candidaturas. Com Lula e Bolsonaro fazendo campanha desde já, colocando pessoas na rua, eles estão forçando esse debate.

Pretende se candidatar ao Planalto? Com quem tem conversado?

Está todo mundo conversando com todo mundo. Eu converso muito com o Ciro Gomes (PDT), com o pessoal do PSDB —governador Eduardo Leite (RS), senador Tasso Jereissati (CE), presidente do partido Bruno Araújo, governador João Dória (SP), Arthur Virgílio (ex-prefeito de Manaus)… Falo com o João Amoedo (NOVO), com o [ex-juiz e ex-ministro] Sérgio Moro, com o general e ex-ministro Santos Cruz, com o pessoal do Republicanos, do PV, com o PSB. Enfim, de A à Z. Eu quero fazer parte desse projeto. Se for consenso pra não fragmentar. Se esse centro tiver três, quatro, cinco candidaturas, não conte comigo. Eu não vou fazer esse papel pra conspirar, para que os extremos consigam, com os seus cercadinhos de radicais, ir pro segundo turno. É pra entrar para vencer a eleição. E é possível de vencer.

É uma visão um tanto otimista, não?

Se a gente conseguir essa unidade, a probabilidade de ir pro segundo turno é enorme. E a probabilidade de vencer os extremos também. Vamos supor, se eu for o candidato e vou pro segundo turno contra o Lula. Os votos lá do campo do Bolsonaro migram pro anti-Lula. Se for o contrário, eu for pro segundo turno contra o Bolsonaro. Os votos do Lula migram pro anti-Bolsonaro. Essa é uma eleição pra que esses personagens, esses partidos do centro, entendam que ela é uma eleição de um turno só, é do primeiro turno. O segundo turno vai ser o apoio natural.

Neste contexto, na sua avaliação, entraria o apoio do ex-presidente Fernando Henrique ao Lula. É isso?

O Fernando Henrique falou que se for Lula contra o Bolsonaro, ele vota no Lula. Eu queria perguntar pro Lula. “Se for eu, Mandetta, contra o Bolsonaro, você vota em quem?” Ele provavelmente vai votar em mim. Aí, eu vou postar uma foto com o Lula, falando, “ó, acabo de receber do Lula a informação de que vota em mim no segundo turno”.

E o contrário também? Declararia apoio a Lula contra Bolsonaro no segundo turno?

Eu vou fazer um trabalho muito grande para que esse pesadelo não aconteça. O que tem de pior que pode acontecer para o país é um segundo turno entre Lula e Bolsonaro. Poderia levar o país para uma situação de violência, de conflito. Eu vou fazer o possível e o impossível pra isso não acontecer. Se isso acontecer, eu vou deixar pra acordar no segundo turno e pensar o que vou fazer. Eu não tenho, agora, como exercitar esse quadro de retrocesso.

Os números de todos vocês de centro-direita que estão se articulando são baixíssimos hoje. Ninguém chega a dez pontos percentuais. Por que acreditar que conseguiriam chegar ao segundo turno?

Há quantos anos o Lula é candidato a Presidente da República? Eu era líder estudantil no Rio de Janeiro, eu devia ter 19 anos, o Lula já era candidato. Tem quase 40 anos. Ele governou o Brasil durante oito anos. O Bolsonaro começou a candidatura dele em 2014 e foi candidato, de fato, em 2018, ganha a eleição e é pré-candidato à reeleição desde o dia que recebeu faixa presidencial. Os outros nomes não. São nomes que vão ser colocados agora. Num passado seria muito difícil de chegar a informação sobre essa nova candidatura nos rincões do Brasil. Agora, com a internet, essa velocidade de informação é muito rápida. Segundo ponto, é que enquanto colocarem nas pesquisas cinco, seis, sete nomes pra serem testados, é esse o resultado. Não vai sair muito disso, vai ficar um com três, outro com seis, outro sete, outro com oito, outro com dez, outro com doze. Aí, a gente vai chegar no final e falar, “puxa, se vocês tivessem maturidade, vocês poderiam vencer”. Eu acho que se você fizer uma pesquisa com Lula, Bolsonaro e só um nome do centro, Mandetta, Ciro, sei lá, bota um nome só, você vai ver que esse nome já vai chegar perto de 20 pontos. Quando a gente tiver essa solução não fragmentada ela vai chegar em dois dígitos. Chegando nos dois dígitos, é outro cenário. Hoje, a maioria da população, 51%, não quer nem Lula nem Bolsonaro. O que ela ainda não tem é o caminho, o cardápio.

Você se arrepende de ter feito parte do Governo Bolsonaro?

É uma coisa dúbia, porque, se eu não estivesse lá, acho que a mortandade dessa epidemia teria sido muito maior. Eu não me arrependo do trabalho que foi feito pelo SUS e da importância que esse trabalho teve, mesmo ele tendo sido interrompido, foi ele quem segurou. Se eu não estivesse ali, se estivesse um general de plantão, se eu tivesse falado, não vou e tivesse vindo uma pandemia dessa daí e eu tivesse vendo os erros, as calamidades que eles cometeram, eu acho que eu não iria me perdoar nunca de não ter aceito o cargo de ministro. Agora, quando eu fui convidado, era pra fazer um trabalho técnico, tanto que a minha equipe era eminentemente técnica. Eu me arrependo em ter acreditado que ele, Bolsonaro, queria um trabalho técnico. Ele nunca quis um trabalho técnico, ele queria um trabalho político de segunda categoria. Queria que o Ministério da Saúde saísse do enfrentamento da pandemia e jogasse a culpa em governadores e prefeitos. Isso faz com que a gente olhe e se pergunte: “como que eu fui estar ao lado de uma pessoa que tem esse tipo de raciocínio, esse tipo de decisão?” Ele é um líder totalmente tóxico.

Tóxico?

Sim. Você não precisa de um líder para ficar causando crises artificiais e falando que é o solucionador de crises artificiais. Você precisa de líder quando você tem crises verdadeiras, quando você tem guerra, quando você tem uma hiperinflação, luta contra a corrupção, você precisa de uma liderança muito forte. No momento que a história pôs uma pedra no meio do caminho dele, ao invés de guiar o povo pra desviar da pedra, ele quis bater a cabeça na pedra ou quis negar que existisse uma pedra. E forçou as pessoas às soluções terríveis. Então, nesse ponto da conduta dele, sim, profundo arrependimento de ter feito parte disso. Mas fiz parte e me comportei da maneira que os meus valores e minha consciência me ditavam o que fazer. Do ponto de vista individual, eu acho que eu ajudei muito. Ele faz com que qualquer um que tenha votado ou qualquer um que tenha pensado que ele poderia ser esse líder que o Brasil precisava ter um arrependimento profundo. É por isso que ele está com 22%, 23% de apoio e com uma rejeição de mais de 50%.

No último fim de semana, mais de 200 cidades realizaram manifestações contra a política do Bolsonaro na pandemia. Qual a avaliação faz desses atos? Chegou a participar?

Não. O único ser que foi nesses atos e vai nos atos a favor do Bolsonaro é o vírus. O vírus agradece a essas aglomerações. Isso não é hora de incitar as pessoas para irem para rua, para manifestar, para gritar, nem pra ir em jogo de futebol. Agora é a hora de você enfrentar uma situação muito grave, que é ir para a terceira onda num espaço curto de tempo. Achei aquilo dali de péssimo gosto. Foi um erro muito grande e mostra que os dois, Lula e Bolsonaro, raciocinam igual.

Na sua visão, esse protesto do fim de semana não seria também um grito de desespero em relação à taxa elevada de mortalidade na pandemia?

Você tem várias maneiras de se manifestar sem precisar expor as pessoas. Quem agradeceu muito foi o vírus, ele estava lá presente nas duas manifestações e vai estar nas próximas também. Eu acho que a gente precisa criar a consciência coletiva, conversar com o máximo possível de pessoas, recriminar quem faz diferente, manter a coerência, está errado fazer isso.

E a Copa América no Brasil? É um erro sediar este torneio?

É o legado da Copa do Mundo do PT sendo usado pelo Governo Bolsonaro pra fazer um gol contra. A Copa América é um gol contra a vida. Só o vírus que está comemorando, ele vai dar a volta olímpica, vai entregar a taça lá no Cemitério do Araçá. Não tem razão de ser. É uma agressão, um deboche, um cinismo que passa pela CBF e pela Conmebol. Não pode fazer a Copa América no fim do ano, no ano que vem com o povo todo vacinado? Como é que vai proteger o entorno do torneio? Vai vacinar todo mundo? E essa questão de fronteiras, de organização, de cepa indiana, de variantes, pra cima e pra baixo, vai expor todo mundo? Aceitar sediar a Copa América é dançar em cima de cadáver. Não tem pé nem cabeça.

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