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Recados solidários

Mãos da paz “calam” as que quase derrubaram a República

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo - Foto de Arquivo

Ainda na toada dos festejos de fim de ano, reli trechos da história de Henrique de Souza Filho, o Henfil. Ou seja, ganhei mais um timing em minha insana corrida pela cultura. Aliás, o segmento está em franca recuperação depois de quatro anos parecendo uma vaca perdida no Pantanal, daquelas que quase foi para o brejo.

A poesia popular e atualíssima do jornalista, cronista e cartunista da solidária família dos Betinhos é imortal. Lembro dele dizendo, por exemplo, sobre sua volta ao país que, após “as greves com todos os Lulas”, o expulsara como “todos os Juliões”.

Antes de cantar as prostitutas, as mulheres de Atenas e jogar pedra na Geni, “como todos os Chicos Buarques”, chutou pedras e deu murros em pontas de facas “como todos os Herzogs, Lamarcas, Marighellas, Honestinos e Genoínos”.

Falo dos anos 70 e 80, quando, literalmente, a mão que afagava era a mesma que esbofeteava. Era um tempo em que, por conta da falta de consideração com o próximo, muitos viviam preparados para traições e traidores.

Cabo Anselmo foi o maior deles. Como no poema de Augusto dos Anjos, os fariseus costumavam escarrar numerosas vezes nas bocas que beijavam. Fera arisca, Anselmo talvez tenha sido o precursor dos “patriotas” que vandalizaram a República no dia 8 de janeiro de 2023.

A ideia simbolizava a morbidez dos seguidores do mal, expressa na tentativa de acabar com a esperança e com o sonho democrático reconquistados a duras penas pela maioria dos brasileiros. Cuspiram no prato em que comeram e deram com os burros n’água. Melhor para o país.

Depois de Henfil, ainda levei tempo para entender que a definição do ditado as mãos que afagam são as mesmas que apedrejam é a mesma do abraço que foge pelos dedos. Ele morreu antes que pudesse desfrutar da democracia que almejou por décadas. Foi-se o deboche, mas ficaram os recados solidários.

Entendidas as mensagens e o recado, optei por lembrar a todos os “Manés patriotas” que as mãos sujas que destruíram parte do Palácio do Planalto e quebraram os plenários do Supremo Tribunal Federal, da Câmara e do Senado, mancharam de sangue as mãos talentosas que os construíram, mas não as deceparam.

Por isso, mais do que poetizá-las, vale lembrar que as mãos que oferecem rosas nunca ficam vazias. Tentáculos silenciosos e perfeitos da natureza humana, as mãos foram feitas para acariciar, afagar, amenizar dores físicas e emocionais, mas também para provocar insolúveis e intermináveis guerras internas. São as guerras de nervos, exacerbadas pelo carinho exagerado do toque e, às vezes, resolvidas pela sensibilidade do perfume que elas exalam.

As mãos da paz são a prova da existência das fadas. Elas rejuvenescem qualquer um que por elas seja tocado. Lembram plumas naturalmente vaselinadas ou pétalas divinamente desfolhadas de uma linda rosa juvenil.

Parecem o paraíso, pois nos fazem sonhar com uma probabilidade imaginada por qualquer adolescente recém-saído da puberdade. É apenas uma possibilidade, mas meus sonhos são cada vez mais reais e entusiasmadamente palpáveis. Assim são as mãos do bem. São elas que me levam a essa inebriante viagem pelo mundo da fantasia.

Lamento apenas que sejam somente duas. Poderiam ser duas mil. Talvez mil, 100 ou mesmo 10. Poderia ser qualquer quantidade, desde que eu pudesse doar pelo menos uma ao povo que delas se utilizam para atirar pedras em quem prefere descobrir seu anjo sem a necessidade de ter um caso com o demônio.

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