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Telhado de vidro

Marco Aurélio, de pijama, lembra o da toga que soltava bandidos

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José Seabra - Foto de Arquivo/Fábio Rodrigues Pozzebom - ABr

Quando repórter, nunca cobri com assiduidade o Supremo. Nas raras vezes em que estive naquela Corte em busca de uma ou outra informação para subsidiar alguma matéria, fiz uso das credenciais do Planalto ou do Congresso. Nem por isso, porém, deixei de acompanhar as decisões dos homens das negras vestes talares. Hoje, não tão surpreso, vejo que Marco Aurélio Mello ressurge com as comichões na língua em busca de holofotes que o fizessem ressurgir com desnecessária e insípida entrevista. Não obteve o sucesso desejado, mas, como de costume, usando da liturgia do cargo que hoje tem somente no holerite, apareceu, acreditando-se, equivocadamente retumbante, correndo para a galera.

O certo é que, longe da lida diária do Supremo Tribunal Federal, o ministro aposentado não perde a chance de dar pitaco como se magistrado da ativa ainda fosse. Que me perdoem as viúvas, mas acho exagerado para quem não julga mais criticar a atuação da Corte na operação da Polícia Federal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. O pior é “recolocar” a toga exclusivamente para descascar um “colega” justamente para a Veja, uma revista que renega Luiz Inácio Lula da Silva e flerta publicamente com a direitona caduca, consequentemente com as estultices do mito das trevas.

É claro que, como cidadão e como eloquente jurista, Marco Aurélio tem o condão de abrir o verbo em qualquer tempo e conjugação. A estranheza é que O STF tem hoje pelo menos meia dúzia de bons ministros aposentados. O pessoal da revista e do Poder360, site que replicou o desabafo Marcoaurelista, sabem disso e os conhecem muito bem. Ocorre que, certamente, nenhum deles se achou no direito de criticar os feitos de ex-colegas de bancada. É a inveterada lógica jornalística de consultar somente aqueles que responderão o que se quer ouvir.

Antes de defender a deliberação do STF, macetada pela robustez dos apanhados do ministro Alexandre de Moraes, valho-me da memória para lembrar algumas das controversas decisões do então ministro ativo Marco Aurélio, contra as quais ele não aceitou contestações, tampouco o referido site se insurgiu, muito menos o colocou à beira da forca.

Em 2020, com uma canetada solo, Marco Aurélio Mello concedeu um habeas corpus colocando em liberdade o traficante André de Oliveira Macedo, vulgo André do Rap, ligado ao Primeiro Comando da Capital (PCC). É verdade que a revista e o site noticiaram, mas arranjaram brechas para repetir uma entrevista do ministro à CNN Brasil, na qual o senhor voto vencido afirmou que “cumprir a lei não gera arrependimento”.

Até onde eu saiba, Alexandre de Moraes também cumpriu a lei. E não se arrependeu de tê-la cumprido. A liminar beneficiando o traficante foi suspensa dias depois, mas a Inês já estava morta. Um dos muitos traficantes soltos pelas mãos do ex-ministro, André do Rap desapareceu na poeira da visão “textualista humanista” do magistrado aposentado, cujo telhado é de vidro sem nenhum tempero.

Baseado na máxima de que enquanto a culpa não está formada o acusado tem o direito de fugir, Marco Aurélio também colocou em liberdade o ex-goleiro Bruno, o ex-banqueiro Salvatore Cacciola e Regivaldo Pereira Galvão, o Taradão, condenado por matar, em 2005, em Anapu (PA), a missionária norte-americana Dorothy Mae Stang.

Reitero o direito do ex-ministro em votar conforme suas convicções. O que volto a questionar é a razão pela qual ele não permite que Alexandre de Moraes tenha as mesmas convicções contra os malfeitos pessoais e políticos de Jair Bolsonaro. Obviamente que são dois pesos e duas medidas. Afinal, na minha santa ignorância jurídica, não existe uma decisão mais “extremada” do que determinar a soltura de réus confessos.

Para quem normalmente julgava contrariamente à própria filosofia, nada de anormal afirmar que “busca e apreensão na casa de um cidadão enxovalha o perfil dele”.

Meu nobre magistrado, com todo respeito à sua longa história, não merece qualquer consideração quem passou quatro anos sentado em uma cadeira enxovalhando o país que presidia. Vossa Excelência também deveria avaliar que o assento utilizado por 31 anos no plenário do STF foi atirado na rua por “patriotas” enlouquecidos, comandados por um louco que preferiu fugir a assistir o resultado da sanha golpista dele. Como todo cidadão de sorte, o senhor assistiu pela TV o quase empastelamento da Corte de sua adoração. Então, com todas as vênias, não há que se falar em enxovalhamento do líder da manobra contra os Três Poderes da República.

Vossa Excelência recomenda “temperança” e que os atuais ministros do Supremo não partam do “pressuposto de que todos são salafrários”. Suas sugestões, conselhos ou seja lá que nome tenham, de que medidas judiciais mais invasivas devem se ater a indícios de crime, “indícios veementes, que devem ser indispensáveis à investigação”, não devem merecer ouvidos atentos.

Alexandre de Moraes e os pares que referendaram a decisão não são burros ou perseguidores de inocentes, como é do desejo dos envolvidos com a tentativa de levante. O termo salafrários pode ser pesado, mas golpistas pegos com a boca na botija é o mínimo que posso dizer sobre as autoridades surpreendidas com a boca melada de fel e de batom de quinta categoria incrustado na cueca do estagiário do tour de force.

Por fim, preclaro ministro Marco Aurélio Mello, usando de minhas prerrogativas de cidadão atingido pelo frustrado golpe, fico com o velho e sábio ditado, que Vossa Excelência deve copiar em seu espelho: “Quem tem telhado de vidro não atira pedra no do vizinho”.

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