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Limpando a alma

Medicina e espiritualidade cuidam da saúde de forma integrada

Publicado

Autor/Imagem:
Ludmila Honorato

Conhecimentos e práticas ancestrais, geralmente vistos como subjetivos, ganham cada vez mais respaldo da ciência e da medicina para seus resultados. Estudos já comprovam que a espiritualidade – não necessariamente ligada a uma religião -, por exemplo, tem efeitos positivos sobre quem passa por algum sofrimento, seja físico, emocional ou mental.

Embora os mecanismos de como os valores espirituais agem no organismo ainda sejam desconhecidos, profissionais da saúde já perceberam que a abordagem é válida. A Organização Mundial da Saúde (OMS), inclusive, reconheceu oficialmente e inseriu a espiritualidade em seu conceito de saúde.

No âmbito da pesquisa, os especialistas são rápidos em esclarecer que não se trabalha com religião. “Isso envolve dogmas, crenças, e religiosidade é quando a pessoa tem uma religião e incorpora isso dentro da vida dela. Espiritualidade é um guarda-chuva mais amplo, que agrega quem tem ou não uma crença, e são as emoções, sentimentos que norteiam nossa vida de relacionamento, conosco e com os outros, em casa e no trabalho”, explica Álvaro Avezum, diretor de Promoção e Pesquisa da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo.

Na semana passada, o especialista participou de um congresso promovido pela entidade no qual foram apresentadas pesquisas sobre o tema. Segundo ele, “a literatura [científica] mostra escalas de questionários que avaliam gratidão, disposição ao perdão e apontam que indivíduos que têm mais gratidão dentro da vida de relacionamento têm menor ocorrência de doença cardiovascular. Indivíduos com disposição a perdoar também”.

Já os sentimentos como raiva, ira, dificuldade em perdoar ou falta de gratidão têm uma ação contrária. “Você tem maior descarga de noradrenalina, de hormônios como cortisol [liberado em situação de estresse] e esses hormônios provocam uma reação inflamatória que altera a coagulação do sangue. [Se um coágulo se forma] dentro de uma artéria coronária, leva ao enfarte; se for no cérebro, leva ao acidente vascular cerebral (AVC)”, explica Avezum. Ele acrescenta que o excesso de adrenalina aumenta a pressão arterial e a frequência cardíaca, o que pode causar arritmia e morte súbita.

Em momento de raiva, o cortisol baixa a imunidade, propiciando o surgimento de condições que a pessoa já está predisposta a ter – o que pode variar de problemas no coração até gastrite, úlcera e desordens psicológicas. Embora seja normal ter esse tipo de sentimento, já que a raiva é uma emoção básica humana, é possível encará-la de forma positiva. Confira dicas aqui.

Na ciência – De acordo com estudos e revisões literárias científicas, a espiritualidade fornece recursos para que se aumente a frequência de emoções positivas e se reduza aquelas que vão conduzir a problemas maiores.

Ao entender que sua vida está sob controle de algo ou alguém maior, fora de seu domínio, a pessoa tende a enfrentar o sofrimento de forma mais positiva. A certeza de um suporte ‘além’ faz com que a angústia diminua, e os sentimentos favoráveis tragam conforto.

Um estudo realizado nos Estados Unidos com 95 pacientes adultos com doença falciforme, um distúrbio sanguíneo genético, concluiu que o enfrentamento religioso positivo foi o único responsável pela variação nas internações após outros fatores terem sido estabilizados. Quem tinha uma espiritualidade mais elevada foi associado com menor número de hospitalizações.

Demanda espiritual – Segundo Frederico Leão, coordenador do Programa Saúde, Espiritualidade e Religiosidade (ProSER) do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), a cultura brasileira é espiritualizada, e as pessoas costumam associar seu sofrimento com suas crenças.

O Brasil é predominantemente cristão, sendo os católicos maioria (65%), segundo o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O documento mostra ainda que cerca de 62 mil pessoas se dizem espiritualistas e 14,6 milhões declaram não ter religião.

“[As pessoas] gostariam que os médicos conversassem com elas sobre isso”, afirma Leão. Porém, os profissionais da área da saúde alegam falta de treinamento para fazer tal abordagem com pacientes, seja no curso de medicina ou em programas de educação continuada.

Uma das propostas do ProSER, que está baseado no tripé pesquisa-assistência-ensino, é preparar médicos e estudantes para lidar com a questão. Assim, o grupo oferece cursos de formação e há uma pós-graduação na USP sobre o tema. Além disso, o programa tem parceria com organizações não governamentais e instituições – religiosas ou não – para atender pacientes do Hospital das Clínicas.

A equipe do ProSER também atua, quando necessário, com o Comitê de Assistência Religiosa do Hospital das Clínicas (CARE), cujo serviço é estritamente religioso e não compete ao primeiro grupo. “Nos casos atendidos pelo ProSER, com necessidade de atuação religiosa expressa pelo paciente, é solicitada a assistência do CARE”, explica o site da instituição.

Para quem declara não ter alguma crença, os profissionais trabalham questões voltadas aos valores humanos que norteiam o paciente em momentos de sofrimento. A fim de identificar isso e desenvolver o atendimento correto, a equipe faz uma anamnese (entrevista) com o paciente.

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