Setembrada 2
‘Mermão, o Brasil é que nem o Maraca. Não é seu, é nosso’
Publicado
em
Sete de setembro de 2022, mais um ensaio geral para o golpe que deu chabu (espero que o chabu seja dos dois, do ensaio e do golpe).
No palanque erguido junto à praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, o mito espera, roendo as unhas, a multidão aumentar. Sua esperança é que daquele mar de camisas da seleção multipliquem-se os berros de “Eu autorizo”, que aqueles maluquinhos vestidos de verde e amarelo exijam que ele tome o poder absoluto, a ponto de, docemente constrangido, se vir forçado a obedecer.
Deu ruim, teve de recolher as guampas, mas agora, quem sabe?
Ele olhava para a moçada que cerca o palanque e tem a primeira surpresa.
Há muitas camisas da seleção canarinho, e alguns tarados enrolados nas bandeiras do Brasil, dos Estados Unidos e de Israel, mas predominam camisetas em vermelho e negro. “São as cores do socialismo e da anarquia, os inimigos me cercaram”, pensa, quase se mijando de medo, mas depois se acalma um pouquinho e diz para si mesmo. “Nada disso, são as cores do Flamengo, que faz tremer de medo o meu Palmeiras. Bando de favelado fiodamãe!”
Ele olha com atenção a galera e não gosta nem um pouquinho do que percebe. Em vez dos homens de bem, em sua maioria brancos e bem nutridos, que compõem as fileiras mitistas (ou mitômanas, como queiram), ele vê muitos negros – pretos e pardos –, a maior parte deles
nitidamente pobre. Trazem, porém, um sorriso nos lábios e uma expressão altiva, bem diferente da fisionomia carregada de ódio e fanatismo do gado. “Ah, dane-se! Vou ver se rola um golpinho”, murmura.
O mito pede pra um dos líderes da multidão rubro-negra se aproximar.
– Fala mermão. Que qui tá pegando?
– Vocês não acham melhor gritar “Mito, mito” em vez de “Mengo, Mengo”? E “vamos dar o golpe” em vez de “vai começar a festa”?
Num acesso de sinceridade que chegou a surpreendê-lo, suplicou, com uma vozinha trêmula de tchutchuca:
– Por favooor, preciso que vocês me autorizem a dar o golpe. E que depois marchem contra os prédios públicos municipais, estaduais e federais daqui quebrando tudo. Vamos fazer o mesmo em Brasília, em São Paulo, por toda a parte, e culpar a petralhada…
O flamenguista o olha como se o mito estivesse ficando louco (e provavelmente estava, ou já havia pirado fazia tempo).
– Porra, mermão. Golpe hoje? Não dá pra ser outro dia?
– Não! Tem que ser hoje – e trocando as súplicas de tchutchuca pela pose de tigrão, rosnou: – E não me chame de mermão, me trate por mito.
O membro da urubuzada olhou-o em silêncio por algum tempo, depois abriu um sorriso de zombaria:
– Então lascou-se, mito. Sabe o que vai ter hoje? Jogo do Mengão. Só um imbecil pensaria em dar golpe no dia do jogo da Nação.
Ficou sério por um minuto, depois disparou:
– Sabe, mermão, o Brasil é que nem o Maraca. Não é seu, é nosso!