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Amilton Godoy

Mestre dos mestres, ele pinta e borda com seu piano

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Julio Maria

O piano de Amilton Godoy é um dos últimos em atividade a atravessar mais de cinco décadas intacto. Criador de uma sonoridade de extensão grande, aliando as informações de sua formação erudita ao suingue do improviso brasileiro que desembarcaria no samba jazz e na música instrumental defendida por trios dos anos 50 para os 60, Amilton transpassa o tempo com uma solidez à prova de tempestades.

A apresentação que ele faz neste domingo, dia 14, no Sesc Vila Mariana, é uma espécie de auto-tributo. Ao chamar a flautista Lea Freire e o gaitista Gabriel Grossi para dividir alguns blocos, todos acompanhados pelo baixista Thiago Alves e o baterista Edu Ribeiro, Amilton sobrevoa a própria história. Sem ser didático, o repertório fala por si. Ali estarão os primeiros anos; a importância do Zimbo Trio, que viveu suas melhores primaveras com Amilton, o baixista Luiz Chaves e o baterista Rubinho; o choque ao se deparar com Milton Nascimento e sua revolução harmônica e a capacidade de olhar para seu tempo, como comprovam trabalhos de linguagem moderna feitos recentemente ao lado de Lea e Grossi.

“Não havia pianistas brasileiros com essas características quando comecei”, lembra, referindo-se ao uso de uma linguagem jazzística mais barroca, de caminhos mais longos. Talvez por sua falta de tradição em mais pianistas eruditos, o piano popular brasileiro sempre caminhou longe com poucas notas. As mãos de Johnny Alf revolucionaram a harmonia sem rodopios, as de Jobim encontraram o paraíso logo ali, na nota ao lado, as de Cesar Camargo Mariano suingaram amarradas. Dick Farney, Luiz Eça, Cido Bianchi. O estilo do piano grande, que Oscar Peterson levou para o jazz, teria seu representante no Brasil em poucos nomes. Pedrinho Mattar foi um, Amilton Godoy foi outro.

A abertura será de improviso, com Bom Dia São Paulo. Uma espécie de tratamento de choque logo no início, que muitos músicos não ousariam fazer por preferirem encarar sua velocidade com os dedos aquecidos. Então vem Avião, de Djavan, e Domingo no Parque, dois arranjos bem marcantes feitos pelo Zimbo Trio. Os novos Thiago Alves e Edu Ribeiro entram na linha sucessória de Luiz Chaves e Rubinho aqui, justificando-se nos improvisos. Edu, para Amilton, tem a dinâmica certeira (alternância de volume), só vista por ele em Rubinho Barsotti. Thiago faz para Amilton a ligação entre ritmo e harmonia. “Ele sabe respeitar a função. Ao mesmo tempo, tocar com eles vai ser sempre uma surpresa.”

Os convidados mostram o outro lado de Amilton. Aos 76 anos, ele segue praticando piano todos os dias e produzindo, relacionando-se com outros criadores. Com Lea Freire, vai lançar um disco previsto para agosto, chamado A Mil Tons. “Ela tem uma forma de tocar, uma personalidade de compor maravilhosa. Quando ouvi, tive certeza de que o repertório de piano estava ganhando muito.” O duo Lea e Amilton se apresenta com os temas Teus Olhos e Choro.

O gaitista brasiliense Gabriel Grossi vem depois. Juntos, eles lançaram em 2014 o álbum Villa-Lobos Popular, um encontro que fez Amilton revisitar a obra de um dos autores responsáveis por sua genética. Vão tocar A Maré Encheu, Prelúdio 4 e Bachiana n.º 5, uma redução da original, para oito violoncelos e canto, feita por Amilton para quinteto. Em trio, com Amilton mais Lea e Grossi, eles mostram Batida Diferente, do gaitista Mauricio Einhorn, mestre de Grossi.

Segue a noite com Milton Nascimento interligado em sete temas, de Ponta de Areia a Maria Maria. Milton, que não tem obra pianística apesar de também compor ao piano, foi uma das surpresas que arrebataram Amilton desde cedo. Depois de conhecê-lo, foi estudar seu repertório e descobriu que, perto daquelas harmonias, a bossa nova era uma mocinha comportada. “Ainda assim, foi a bossa que preparou o mundo para que ele pudesse, um dia, ouvir Milton Nascimento.”

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