Repertório literário
Metáforas de um velho para ir de A a Z na tentativa por Kama Sutra em prática
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Muito antes de o sertanejo primário, ginasial, vestibulando e universitário estourar por aqui, muita gente já se deleitava com músicas que os autores não sabiam a razão pela qual as tinham composto e a turma do gargarejo nunca soube porque as ouviam. Na prática, a maioria das “canções” servia somente para paródias. Meu avô Aristarco Pederneira foi o precursor nesse quesito. Ele não tinha especialização alguma em música, muito menos em poesia, mas era um mestre na arte de dizer cantando o que pensava da vida, particularmente o que queria de minha avó Maria Anastácia Pederneira.
Por exemplo, fosse qual fosse o prato que vovó estivesse preparando, o velho sapecava no ouvido da velha: Oh Maria! Quero cheirar o bacalhau para saber se está com muito sal. Normalmente a resposta era uma gaitada, seguida de um safanão. Entre o dó, o ré e, às vezes, o lá e o si, os dois viveram intensamente uma parceria iniciada em Trás os Montes, articulada em Montevidéu e executada no Rio de Janeiro. Embora mais ou menos na leitura, mas hábil no ofício de labutar, Aristarco conhecia o Kama Sutra de A a Z.
Não tenho opinião formada a respeito, mas, pelo que ouvi dizer, vovô preferia as posições apelidadas metaforicamente por ele de canguru invertido, barafundo, jocundo, furibundo e gemebundo. Para sorte da vozinha, o vozão não viveu a época do rap. Tivesse ele conhecido a épica e premiadíssima canção Eguinha Pocotó, seria créu, créu, créu em todas as velocidades. Por vezes, Aristarco usava metáforas para se expressar de forma mais poética ou figurativa. Em uma dessas ocasiões, reclamou com o médico que, durante o compromisso matrimonial, na primeira atividade ele sentia um calor miserável. Na segunda, era um frio insuportável, do tipo medonho.
Como a literatura médica não informa essa mudança climática durante o vuco vuco, o doutor precisou recorrer à vovó para não errar no diagnóstico. A resposta foi objetiva, mas comprometedora. Vó Anastácia tranquilizou o médico, informando que não havia nada de anormal, na medida em que a primeira funhanhada ocorria nos meses de janeiro, ou seja, em pleno verão, e a segunda normalmente se consumava em julho, mês mais gelado do inverno da época. Como nem tudo que é ruim não é bom, acho que foi essa a principal razão para vovô, um fumante inveterado, ter abandonado o vício do tabaco.
Depois de fazer sexo com vovó, vovô sempre acendia um cigarrinho para relaxar. Como o tempo e a virilidade passaram, pouco a pouco ele parou de fumar. Sou suspeito, mas Aristarco e Anastácia viviam um amor que parecia não acabar. Claramente ela fingia que o amava e ele fingia que acreditava. A tese do velho era simples: o que mantém um casamento não é o tamanho do pinto, mas o do saco. Mais aculturada do que vovô, vovó usava contra o pobre coitado todo o repertório que conseguia gravar das leituras diárias do Aurélio. Em um daqueles dias em que se lambe a lua, ela indagou onde ele iria tão recôndito, taciturno, lesto, circunspecto e assaz atribulado.
Depois de um silêncio loquaz, lancinante e odiento, vovô respondeu, de forma vitupéria, que pensou em dejetar um barro, mas, antes de chegar ao assento do water-closet, optou por procurar um dicionário. Achou. Porém, o resultado é que, mesmo desasnado, não conseguiu mais expelir a deletéria titica. Vovô partiu antes de vovó. Ensimesmada e só, ela procurou saber dele no Centro Espírita Prazeres do Além, recinto no qual as viúvas passam momentos de prazer com seus falecidos maridos. Não deu certo por um detalhe: o caboclo Alcebíades Palmeira que subiu na velha exigiu uma peça íntima para que ele pudesse concluir a conjuminação. Vovó havia queimado um dia antes todas as cuecas do velho Aristarco. Como não foi contemplada, ficou no ora veja.
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Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras