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Embate

Meu chefe era osso duro de roer

Publicado

Autor/Imagem:
Maria Lúcia Flores do Espírito Santo Meireles - Foto Francisco Filipino

Não sei por qual motivo, me lembrei de uma historinha beirinha, e deu vontade de contar. Então, lá vai!

Nos idos de 2005 a 2007, trabalhei como Assistente de Gabinete em um Ministério, em Brasília. Não parece, mas há pessoas mal-educadas e exaltadas em todos os lugares. Creio que essas pessoas sempre sentem que todos estão contra elas e, por isso, estão constantemente armadas com todos.

O Chefe de Gabinete, naquela época, era um senhor já idoso, quase chegando aos 70 anos, e parecia que comia escorpiões e cobras no café da manhã, pois, todos os dias, chegava gritando com os demais funcionários. Eu pensei: não sei como vai ser, se um dia ele me tratar como uma pessoa sem nada a oferecer, porque era isso que eu pensava. “Ele deve achar que, só porque é o Chefe de Gabinete, pode tratar as pessoas como um nada.”

Nem um bom dia, ele dava. Acredita? Hum!

Um dia, veio um senhor do Rio de Janeiro tratar de um assunto, que eu achei que poderia tratar com ele, sem ter de incomodar o leão, o doutor, como exigia ser chamado. E não era doutor, era um simples acadêmico, nem pós graduação possuía.

Tinha experiência, pois já trabalhava no serviço público há séculos, só que a educação parece que havia sido deixada do lado de fora do prédio, ou nunca fora apresentado a ela.

Eu resolvi o problema com o senhor e pronto. Eu sou assim, se eu posso resolver, se tenho respaldo legal pra isso, não vou até o chefe, ainda mais que era uma coisa corriqueira.

Passados uns dias, o telefone da minha mesa tocou:

_ Aqui é o Dr. Fulano, Maria do Carmo, compareça na minha sala agora.

Eu já senti o clima pela voz dele.

_ Bom dia pro senhor também.  De que assunto se trata, por favor.

_ Bom dia. É o assunto tal, do Rio de Janeiro.

_ Está bem, senhor, dentro de cinco minutos estarei em sua sala.

_ Tudo isso? Cinco minutos???

_ Sim, senhor, tenho de estar com os documentos em mãos pra falar com o você.

Só ouvi o som do telefone desligando.

Pensei: “É hoje!”

As outras meninas da minha sala já foram falando pra eu me preparar, que ele ia me fazer chorar.

_ Me fazer chorar? Mais fácil ele chorar.

_ Não brinca com Dr. Fulano, Maria do Carmo, ele já demitiu muita gente por nada, e você ainda diz que vai demorar cinco minutos.

_Olha, meninas, antes de entrar aqui, eu já comia, me vestia. Se ele me demitir, vou continuar minha vida. Não vou morrer por isso.

Todas fizeram aquela cara de “veremos”.

Peguei a pasta dos tais documentos do assunto, minha agenda e fui. Quando cheguei, ele se levantou, bateu as duas mãos na mesa e gritou a toda altura:

_ Maria do Carmo, como você resolveu um problema, sendo que você é apenas uma Assistente de Gabinete, sem passar por mim, primeiro? Você está louca?

Entrei, me posicionei em frente à mesa dele, cruzei os braços, fiquei batendo o pé no chão, numa calma, como se tivesse meditando. Ele esbravejou mais, bateu mais as mãos na mesa, estava vermelho como um pimentão. E eu lá calada, só olhando.

As outras moças da sala dele, cinco, eu acho, pararam de fazer o que estavam fazendo e arregalaram os olhos de pavor. Todos tinham pavor dele.

Quando ele gritou bastante, berrou aos quatro cantos, disse:

_ A senhora não vai falar nada?

_ Vou.

_ Então, fala.

_ Você vai parar de gritar?

_ Eu grito enquanto eu quiser.

_ Então, pode ficar aí gritando.  Quando você cansar e quiser conversar, me chame de novo.

Virei em direção à porta, e ele falou:

_ Não, Maria do Carmo, sente-se. Me explique o que aconteceu.

Eu me sentei em frente a ele, abri a pasta, fui mostrando os documentos anteriores, os que eu tinha feito, a resolução do caso.

_ Dr. Fulano, eu fiz por conta própria, sem sua ciência, porque este senhor já aguardava a resolução deste problema há mais de 8 anos, era um caso simples, e eu consultei o advogado, se eu poderia resolver pra ele. Ele é um engenheiro, de quase 80 anos, que já veio a Brasília resolver este problema inúmeras vezes e vai embora sem solução, sendo uma solução muito simples, que o senhor pode ler e perceber e, se eu fiz por conta própria, é porque eu tenho respaldo legal, e posso fazer este tipo de trabalho, sem perturbá-lo, pois o senhor tem muito mais coisas complicadas pra resolver. Se eu poderia resolver, por que, não resolver? Ficar fazendo o moço perder viagem, sendo que ele esperou só 40 minutos e saiu super satisfeito, por enfim, resolver o caso dele? Agora, se o senhor acha que eu mereço punição,  fique à vontade, eu estendo as minhas mãos à palmatória.

Estiquei as duas mãos espalmadas pra ele, que ficou me olhando, me analisando por alguns minutos.

_ Não, Maria do Carmo, você não merece punição alguma, merece são os parabéns, pois realmente era um problema bem fácil de resolver. Parabéns pela sua iniciativa.

Em seguida, ele se levantou e me estendeu as mãos. Peguei na mão dele e apertei, como sempre aperto.

_ Estou vendo que a senhora é bem firme. Muito obrigado.

_ Não tem de agradecer, eu não fiz nada a mais do que minha obrigação. Bom dia para todos.

Saída sala pisando firme, sem olhar pra trás. Cheguei à minha sala, e as outras três colegas já estavam ansiosas porque, da nossa sala, a gente ouvia os gritos dele.

_ Nossa, como foi lá? _ falaram as três, quase juntas.

_Foi normal.  Eu esperei Dr. Fulano parar de gritar, expliquei e mostrei os documentos pra ele. Normal.

Durante aquele dia, foi um entra e sai na nossa sala, cada hora vinha uma fofocar e perguntar como eu tive coragem de falar com ele daquele jeito.

Eu só respondia:

_ Isso não é coragem, é naturalidade. Se eu fosse explicar com ele exaltado daquele jeito, ele não ia conseguir entender, e era muito perigoso até de dar um treco nele.

Como ele sabia que eu andava com um aparelho de aferir pressão, depois desse dia, quando ele ficava muito nervoso, ele me chamava para aferir a pressão dele, e eu ia, aferia, perguntava se ele já tinha tomado o remédio da pressão, ensinava sobre chás. Ele chamava a copeira pra fazer pra ele.

Os gritos continuaram, mas com uma frequência muito menor e mais baixa.

Eu sempre falava:

_ O Dr. Fulano aprendeu a gritar mais baixo.

Pouco tempo depois, ele foi convidado para assumir a chefia de gabinete do Ministério da Fazenda.  No dia em que ele foi embora, fez questão de se despedir de todos.  Quando chegou na minha vez, disse:

_ Muito obrigado, Maria do Carmo, você me ensinou muito.

E eu:

_ Que nada, Dr. Fulano, o senhor já sabia, só não usava. Chegando lá, peça alguém pra lhe aferir a pressão e não se esqueça dos chazinhos.

_Pode deixar.

 

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