Matemática dos cachorros
Migrar por vida melhor não é crime; criminoso é quem impede a migração
Publicado
em
Ontem vi um post no Instagram que dizia que viver um ano como migrante equivale a viver sete anos como não-migrante. Tipo a matemática dos cachorros, só que com gente e muito cansaço acumulado. E olha que eu nem saí do país, viu? Mas, como boa brasileira, já acumulei uns pontos nessa tal migração interna. Só quem já trocou de estado sabe: o CEP muda, mas o perrengue é universal.
Mesmo sem ter atravessado oceanos, essa postagem fez sentido demais pra mim. Agora imagina pra quem realmente migra pra outro país, com uma língua estranha, hábitos esquisitos e zero referência afetiva no novo ambiente. Migrar é muito mais do que mudar de endereço. É reaprender a viver. É acordar todos os dias meio perdido, meio curioso, meio exausto.
Conversei com um amigo que morou em Londres por alguns anos. Perguntei como foi a experiência, o que sentia, o que mais o marcou. Ele me respondeu com uma honestidade que me atravessou. Disse que muitas vezes acordava confuso — não só pelo fuso horário, mas porque precisava, diariamente, interpretar um idioma, e não apenas traduzi-lo. Falava que entender o inglês britânico não era só uma questão de vocabulário, mas de contexto, de sotaque, de expressões que não se explicam com Google Tradutor.
Quando a gente migra, seja pra outro país ou pra outro canto do Brasil, é preciso reconstruir aquilo que, na nossa casa, vinha pronto. As comidas que confortavam o estômago e o coração agora precisam ser substituídas por algo que “quase lembra”, mas nunca é igual. O cheiro do feijão da mãe vira lembrança, e o tempero local parece sempre meio desafinado.
É também preciso encontrar novos caminhos até o trabalho, novos médicos de confiança, um novo cabeleireiro que não transforme sua cabeça num experimento. Precisa descobrir quem vai segurar sua mão quando der ruim, onde vai comprar pão decente, e com quem vai dividir as angústias de não se sentir pertencente. Migrar é, acima de tudo, procurar portos seguros em mares totalmente desconhecidos.
E todo esse processo, além de exigente, é solitário e emocionalmente desgastante. Leva tempo. Às vezes meses. Às vezes anos. E, por isso, e por tantos outros motivos, eu quero deixar uma coisa bem clara: migrar não é crime. Nenhum imigrante é criminoso por existir, por buscar uma vida melhor, por tentar refazer sua história.
Criminoso é quem nega humanidade a quem já está tendo que se reinventar todos os dias. Criminoso é o preconceito. Migrar é um ato de coragem. É um salto no escuro com a esperança de aterrissar em algo que pareça um lar.
E convenhamos: se viver um ano migrando vale por sete, todo migrante deveria se aposentar antes.