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Filosofia do limbo

Moribundo imbrochável vaga perdido pelo país em busca do nada

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Autor/Imagem:
Arimathéia Martins - Foto de Arquivo

A boca fala e o teclado do computador registra exatamente aquilo do que o coração está cheio. Dizem os mais velhos que a um moribundo não se nega um copo d’água. Pode ser, mas é demais permitir que ele circule como se fosse um cidadão acima de qualquer suspeita. Exatamente como figurou na anedota moral da história perdida da Sicília (c.356-260 a.C), conhecemos um moribundo político brasileiro que se assemelha a Dâmocles, o palaciano bajulador da corte do tirano Dionísio, de Siracusa. Sem lenço e sem documento, ele vaga pelo país em busca de apoio para ver se aprende a ser político.

A diferença dele para Dâmocles é que o bajulador preferiu ser um desafortunado a experimentar a espada afiada de Dionísio sobre seu pescoço. Seu similar nacional não admite largar o osso. Mesmo que o cortesão tenha “abdicado” dos prazeres e das benesses do poder, a espada de Dâmocles é uma alusão frequentemente usada para representar a insegurança daqueles que se veem diante da possibilidade de perder repentinamente todo seu poderio. Perder o poder em 2022 não fazia parte dos planos de nenhum integrante da extrema-direita que se apossou do Brasil em 2018.

Tanto isso é verdade que, por pouco, eles não mantiveram o trono à força. Como dizem os juristas mais ortodoxos, não lograram êxito porque, além de amadores, são burros, tão burros que deixaram muito mais do que pegadas e rastros. Deixaram um caminho imenso e intenso de estrumes espalhados pela Praça dos Três Poderes e pelas principais praças do país. Não à toa, a maioria deles já acordava e acorda com o taxímetro ligado contra Luiz Inácio e contra todos que tiveram a coragem de se posicionar a favor da democracia e do progresso. Na verdade, Lula foi apenas o pretexto do levante programado para 8 de janeiro de 2023, com sequelas até hoje.

Fosse quem fosse o vencedor, o bolsonarismo com predisposição à bagunça e aos distúrbios se insurgiria até mesmo em objeção ao papa Francisco, a quem rotularia de comunista e usurpador da pátria. Se havia dúvida de que Luiz Inácio é só o pretexto para que os bolsonaristas continuem se assanhando, basta lembrar a recente reação do ex-presidente a uma simbólica lista de governadores aptos a substituí-lo na corrida presidencial de 2026, da qual ele está impedido de participar.

Para os fanáticos, o moribundo é insubstituível, inquestionável e, haja o que houver, sempre presidenciável. Ou seja, não admitem a hipótese de ele ser imprestável, insustentável e inaceitável. Imbrochável, nem pensar. É uma heresia. Por essa e outras razões, perdi o saco de questionar o eleitor fanatizado, aquele que sempre procura desculpas para legitimar as más condutas de seus políticos de estimação. Meu apreço é exclusivamente por aqueles que honram seus compromissos com o povo.

Partindo do pressuposto filosofal de que política pode não definir caráter, mas define QI, endosso todo tipo de apreço aos que, sem medo de gritos e xingamentos, criticam o oportunismo e as mentiras de candidatos mal-intencionados, bem como as de seus seguidores de índole duvidosa. Portanto, sem me desligar dos que optam pelo caminho inverso, não há como deixar de defender os poucos que dispõem de sabedoria capaz de ultrapassar os ensinamentos básicos da assessoria formal ou informal, que vive de dizer amém. Eis o mistério da perdição política. Os que se apegam exclusivamente à filosofia do limbo percorrem o país em busca do nada.

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