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Ditadura do silêncio

Poderosos de Brasília calam sobre a morte de Ana Lídia

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Bartô Granja

No dia 10 de setembro de 1973 a menina Ana Lídia Braga foi sequestrada e morta de forma brutal. O caso aconteceu em Brasília e até hoje está impune. O promotor que à época investigou a história acusou o irmão da vítima e um amigo pelo crime. Os dois foram absolvidos por falta de provas. A tese da Promotoria era de que o assassinato teria sido motivado por uma dívida com traficantes de drogas da cidade. Em razão da intervenção da cúpula da Secretaria de Segurança nas investigações, o Caso Ana Lídia nunca foi plenamente esclarecido.

Agora, mais de 43 anos depois do ocorrido, sabe-se que os arquivos da Secretaria de Segurança do Distrito Federal não registraram mais do que qualquer morador da cidade já sabe. O silêncio sobre a morte da menina Ana Lídia, que contava com apenas sete anos de idade, manchou a história da cidade e do governo militar, pois acredita-se que filhos de um senador da República e de um ministro de Estado estariam envolvidos com o crime.

O jornalista Roberto Seabra, que em 1973 tinha nove anos, cresceu ouvindo histórias sobre a morte de Ana Lídia. Nas ruas e em casa. Seu pai trabalhava na Polícia Civil do DF e dizia que, se a polícia quisesse, os assassinos de Ana Lídia seriam presos rapidamente.

Seabra decidiu, há três anos, escrever sobre o caso. Mas, ao tentar levantar informações sobre o assassinato, deparou-se com um problema: muita gente sabe, em detalhes, o que aconteceu com Ana Lídia, mas a maior parte dessas informações não constam em registros oficiais. O crime é quase uma lenda.

Sumiu tudo -Há poucos dias o Arquivo Público do Distrito Federal liberou os documentos considerados “secretos” da Secretaria de Segurança, com fatos ocorridos entre 1960 e 1990. E, para surpresa de muitos, o caso Ana Lídia continua carecendo de informações mínimas para sua elucidação, mesmo que tardia.

“Pela natureza do crime e por sua repercussão, o Caso Ana Lídia deveria ter quilos e mais quilos de documentos. Mas não. O que se viu com a abertura dos arquivos é que a investigação sobre o homicídio foi vetada por forças superiores”, diz o jornalista.

Juntando arquivos de recortes de jornais e depoimentos de pessoas que acompanharam as investigações à época, Roberto Seabra decidiu escrever uma obra de ficção sobre o que sobrou da história. “Só a ficção dá conta do que aconteceu com Ana Lídia”, afirma. Seabra fez o que os especialistas em literatura chamam de Roman à clef, ou seja, um romance em que personagens e acontecimentos reais aparecem sob nomes fictícios.

O livro Silêncio na cidade, lançado apenas em versão digital na plataforma Amazon, conta a história do policial Tino Torres, que decide investigar por conta própria a morte da menina Ana Clara, após receber ordens superiores no sentido de interromper o trabalho. Na história, Tino Torres foi o primeiro a receber a queixa sobre o desaparecimento da garota e, quando chega perto dos culpados, é obrigado a deixar a investigação à cargo de outra equipe, que simplesmente ignora os indícios levantados por ele.

“Meu livro tenta colocar em debate a seguinte questão: se a realidade foi interditada, se os fatos foram jogados na lata do lixo, o que fazer? É quase uma metáfora sobre tudo o que aconteceu no Caso Ana Lídia, mas também sobre o que estamos vivendo hoje, ou alguém tem dúvidas de que as notícias e até os fatos hoje continuam sendo manipulados?”, observa.

casoAnaLidia

Tudo manipuladoSilêncio na cidade conta a história de Tino Torres e mais três personagens, dois colegas da Polícia Civil do DF e um jornalista, que tentam montar a verdadeira história da morte de Ana Clara, enquanto a Secretaria de Segurança se esforça para esvaziar a investigação. “É uma luta desigual, mas que mostra, por intermédio da ficção, que a realidade pode ser totalmente manipulada, quando fere interesses dos poderosos”, diz o autor.

Tino e seus parceiros têm certeza que a morte da menina incrimina dois rapazes, filhos de um senador da República e de um ministro do governo militar. Membros da alta sociedade brasiliense dos anos 70, os supostos criminosos contam com o silêncio da cúpula da Polícia Civil para se safarem da investigação. “O livro mostra que não apenas o Estado, mas também a sociedade, ou pelo menos a elite dela, calou-se diante da morte da menina”, diz Seabra.

Gente poderosa – O jornalista lembra que alguns políticos e empresários que hoje continuam dando as cartas na política local participaram, de alguma forma, daquela história. “Brasília era, ou é, um lugar onde todos se conhecem, pelo menos os da chamada alta sociedade. O acobertamento do crime contou com a participação ou cumplicidade de muita gente: amigos e parentes dos criminosos”, acredita Seabra.

“Se você conversar com qualquer pessoa bem informada sobre a história da cidade, a propósito desse crime, rapidamente vai ouvir uma versão. E quase todas as versões têm pontos, e nomes, em comum”, diz Seabra. Ele acredita que a ditadura militar censurou informações importantes sobre a morte da menina para não ameaçar a imagem do governo.

“Chegaram até a dizer que grupos de esquerda, interessados em desestabilizar o governo militar, estariam por trás das acusações contra membros da alta sociedade. É uma farsa surreal”, completa Seabra.

O que surpreende, no entanto, é que até hoje essas informações continuem desconhecidas. “Apesar de o crime ter acontecido há 43 anos, alguns personagens ainda estão aí. Esse crime continua incomodando muita gente”, diz Seabra, que não se arrisca a citar nomes. “Se eu tivesse documentos que comprovassem essas informações eu escreveria um livro reportagem. A ficção tenta repor essa lacuna, para que o crime não seja esquecido”, finaliza.

Serviço
Amazon.com.br
Silêncio na cidade
Roberto Seabra
R$ 13,66

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