Curta nossa página


Ode ao Fusca

Muito além de um carro, um estilo de vida

Publicado

Autor/Imagem:
Daniel Marchi - Foto Francisco Filipino

Velho companheiro de olhos grandes

E forma de esfera rota, azul no espaço

De harmonia líquida, fluída, que passa

Pelas estradas como um pedaço de universo.

No barulho do teu assovio, descanso

E fico dentro de você como num planeta

Do qual sou o rei, o dono e o juiz.

Ah, viatura tão vivida

Quantas histórias escondem teus bancos

Gastos e barulhentos?

Muito mais histórias do que eu sei

São cinco anos, dez anos, vinte anos,

Quarenta e cinco ou mais nos quais viveste

Com a mesma cara, as mesmas cores, formas e texturas.

Melhoraste, ainda, nos últimos anos, sob meus cuidados.

Eu que te cuido como a um companheiro e amigo

E tu me respondes secretamente no brilho

Dos aros dos teus faróis redondos apagados.

Vem o dia. Levo a chave gasta e pálida à fechadura

Que dá o teu contato.

Tudo vibra neste universo particular de curvas

De plásticos, de cheiros e de poeira.

Lá atrás, como das narinas de um touro

Sai uma fumaça branca, normal para a tua idade

E teus cilindros se entrechocam

Metal contra metal, parede contra parede

Na fricção ideal de meu passeio.

O óleo circula, passa, esquenta

E, quente, lubrifica teu coração antigo

Rodado.

A concha com pérola na alavanca que aponta a primeira

É ainda mais misteriosa.

Saio.

Teus ruídos metálicos já me são bem conhecidos.

Em cada curva te comportas como animal selvagem

Um cavalo em que vou montado sobre caminhos

Estradas, pastos

E que não treme diante das asperezas do solo.

Um índio e um bandeirante me encaram

Paulistarum terra mater.

O canto da tua máquina é música

Faz-me dispensar qualquer outra

Mas, ao alcance da minha mão direita

Posso também ligar o rádio

Que nas ondas curtas me traz vozes de regiões longínquas.

Quatro tiras de borracha vão imprimindo minha história

No solo.

Quanto já andei, estive e voltei!

O negro arco do teu volante faz

A órbita da minha liberdade.

Teus poucos espelhos me fazem deixar para trás

Os problemas, as preocupações

E tua fronte em forma de montanha

Corta o vento à minha frente.

A máquina sempre pronta, nervosa, rápida

Leva-me e leva-me e leva-me.

Pedes tão pouco em troca.

Companheiro fiel, forte como um cavalo

Cinquenta e dois deles juntos!

Macio como um gato, obediente como um cão

Eu te quero sempre inteiro

Para, juntos, escrevermos nossa história.

.……………………………..

Daniel Marchi (@prof.danielmarchi) é editor-executivo de Notibras.com, onde, com Eduardo Martínez e Cecília Baumann, comanda o Café Literário. Carioca, é advogado e professor. Poeta, escreveu os livros “A Verdade nos Seres” e “Território do Sonho” (no prelo).

Publicidade
Publicidade

Copyright ® 1999-2025 Notibras. Nosso conteúdo jornalístico é complementado pelos serviços da Agência Brasil, Agência Brasília, Agência Distrital, Agência UnB, assessorias de imprensa e colaboradores independentes.