Ode ao Fusca
Muito além de um carro, um estilo de vida
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Velho companheiro de olhos grandes
E forma de esfera rota, azul no espaço
De harmonia líquida, fluída, que passa
Pelas estradas como um pedaço de universo.
No barulho do teu assovio, descanso
E fico dentro de você como num planeta
Do qual sou o rei, o dono e o juiz.
Ah, viatura tão vivida
Quantas histórias escondem teus bancos
Gastos e barulhentos?
Muito mais histórias do que eu sei
São cinco anos, dez anos, vinte anos,
Quarenta e cinco ou mais nos quais viveste
Com a mesma cara, as mesmas cores, formas e texturas.
Melhoraste, ainda, nos últimos anos, sob meus cuidados.
Eu que te cuido como a um companheiro e amigo
E tu me respondes secretamente no brilho
Dos aros dos teus faróis redondos apagados.
Vem o dia. Levo a chave gasta e pálida à fechadura
Que dá o teu contato.
Tudo vibra neste universo particular de curvas
De plásticos, de cheiros e de poeira.
Lá atrás, como das narinas de um touro
Sai uma fumaça branca, normal para a tua idade
E teus cilindros se entrechocam
Metal contra metal, parede contra parede
Na fricção ideal de meu passeio.
O óleo circula, passa, esquenta
E, quente, lubrifica teu coração antigo
Rodado.
A concha com pérola na alavanca que aponta a primeira
É ainda mais misteriosa.
Saio.
Teus ruídos metálicos já me são bem conhecidos.
Em cada curva te comportas como animal selvagem
Um cavalo em que vou montado sobre caminhos
Estradas, pastos
E que não treme diante das asperezas do solo.
Um índio e um bandeirante me encaram
Paulistarum terra mater.
O canto da tua máquina é música
Faz-me dispensar qualquer outra
Mas, ao alcance da minha mão direita
Posso também ligar o rádio
Que nas ondas curtas me traz vozes de regiões longínquas.
Quatro tiras de borracha vão imprimindo minha história
No solo.
Quanto já andei, estive e voltei!
O negro arco do teu volante faz
A órbita da minha liberdade.
Teus poucos espelhos me fazem deixar para trás
Os problemas, as preocupações
E tua fronte em forma de montanha
Corta o vento à minha frente.
A máquina sempre pronta, nervosa, rápida
Leva-me e leva-me e leva-me.
Pedes tão pouco em troca.
Companheiro fiel, forte como um cavalo
Cinquenta e dois deles juntos!
Macio como um gato, obediente como um cão
Eu te quero sempre inteiro
Para, juntos, escrevermos nossa história.
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Daniel Marchi (@prof.danielmarchi) é editor-executivo de Notibras.com, onde, com Eduardo Martínez e Cecília Baumann, comanda o Café Literário. Carioca, é advogado e professor. Poeta, escreveu os livros “A Verdade nos Seres” e “Território do Sonho” (no prelo).