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Batalha antiga

Mulheres vencem machismo na literatura de cordel

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Autor/Imagem:
Carolina Paiva, Edição

Os livretos de literatura de cordel já se enfileiravam em cordas nas feiras e praças do sertão nordestino desde o fim do século 19, mas foi somente em 1938, na Paraíba, que uma mulher se atreveu a disputar aquele espaço. Ainda assim, somente nos bastidores. Maria das Neves Baptista Pimentel, “para ser levada a sério”, precisou tomar emprestado o nome do marido Altino Alagoano. A trajetória de mulheres cordelistas é o tema do Programa Caminhos da Reportagem, da TV Brasil.

Mais de 80 anos se passaram desde que Maria das Neves assinou como um homem o cordel “O Violino do Diabo ou o Valor da Honestidade”. A presença de mulheres nesse meio, no entanto, ainda é desafiador. Dos 40 poetas da Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC), cinco são mulheres. “O mundo do cordel era um mundo de homens”, diz Maria Rosário Pinto, integrante da academia.

O programa As Cordelistas apresenta histórias como a da cearense Dalinha Catunda, também integrante da ABLC. “Eu vim para o Rio de Janeiro em 1972. A saudade era tanta que eu só pensava no Ceará. E toda a saudade que eu sentia, eu fazia versos”, conta a poeta nascida na cidade de Ipueiras. Os livretos “O Jumento do Maurício” e “O Forró do Zeca” retratam essas lembranças. “Eu rimo e metrifico tudo o que vivi naquele sertão”, relata à reportagem da TV Brasil.

O Caminhos da Reportagem mostra histórias de mulheres que quebraram barreiras para se impor em uma literatura essencialmente masculina e como elas vêm conquistando cada vez mais espaço. “Você pode simplesmente criar uma personagem mulher, que faz algo muito legal, heroico, e isso por si só já é uma grande subversão no mundo cordelista, porque poucas foram as personagens mulheres, heroicas, como os grandes heróis do cordel”, diz a escritora Jarid Arraes.

Na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) deste ano, os dois livros de cordel mais vendidos são de Jarid, escritora jovem, negra e nordestina. A história da primeira cordelista indígena, Auritha Tabajara, também é apresentada no programa.

Em diálogo entre gerações, o Caminhos da Reportagem mostra diferentes visões de como a mulher se inseriu, ao longo da história, na literatura de cordel. “Eu acho que a mulher escreve de forma diferente que o homem. Os dois têm qualidades. Mas acho que a mulher escreve de batom, o homem escreve de terno. Isso é uma figura de linguagem, mas é o olhar feminino de uma mesma realidade”, afirma Almir Gusmão, cordelista da ABLC.

O cordel foi reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 2018. De acordo com o instituto, o gênero resultou da conexão entre as tradições orais e escritas presentes na formação social brasileira, e carrega vínculos com as culturas africana, indígena, europeia e árabe. Tem ligação com as narrativas orais, como contos e histórias; à poesia cantada e declamada; e à adaptação para a poesia dos romances em prosa trazidos pelos colonizadores portugueses.

Originalmente, a expressão literatura de cordel não se refere em sentido estrito a um gênero literário específico, mas ao modo como os livros eram expostos ao público, pendurados em barbantes, em uma espécie de varal.

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