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Salvo pelo gongo

Na black friday da Shopee, quem diria, lebre era gato

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo - Foto Reprodução/Pinterest

Assim como na vida, no dia a dia nem tudo que reluz é ouro. Não necessariamente nessa ordem, o ego engana, o pensamento enrola, a mentira decepciona, a ansiedade mata, a verdade desmascara e o engano entristece. Adaptada por Abraham Lincoln, a frase pode-se enganar a todos por algum tempo, pode-se enganar alguns por todo o tempo, mas não se pode enganar a todos todo o tempo é a mais pura perfeição para o preâmbulo da narrativa de hoje. Antes de contextualizar o fato, preciso citar o escritor alemão Friedrich Nietzsche, para quem a ilusão é o estado no qual os homens têm mais probabilidades de ver as coisas tal como elas não são.

Eu sou um desses. Pelo menos já vivi situação em que imaginava estar pisando em doce de coco. Descobri a tempo que a dura realidade da emoção poderia me levar a pisar em ovos. Pelo menos em dois deles. Graças ao Deus que a gente usa conforme as conveniências, qualquer um sabe e pode proferir palavras enganadoras. O problema são as mentiras do corpo. Essas exigem outra ciência. No caso em análise, fui salvo pelo gongo, pelo velho e bom Rum Creosotado e por uma inesperada obra no banheiro feminino da academia onde faço o que a maioria dos mais velhos faz: malhar a língua.

O factoide se sucedeu após conhecer “em passant” aquela garota loira e caloura na piscina da hidroginástica, aula comandada brilhantemente pelo mestre das estrogonóficas acrobacias Dari Ballet. Minhas tiradas de macho alfa eram muito menos pelo belo perfil e muito mais pelo estilo, pelo talento, pelo caminhar e pelo sorriso largo da moçoila. Lembrava o tchan, algo como as faixas de pedestres de determinadas cidades, nas quais, independentemente do horário, o transeunte é somente um detalhe. Em outras palavras, todos os motoristas avançam como se estivessem vislumbrando a vitrine avermelhada de uma casa de saliência.

Éramos poucos homens, mas os que havia se imaginavam comprando uma besteira qualquer na Black Friday noturna da Shopee. Eu só não esperava comprar gato por lebre. Nada que me tirasse do sério. Afinal, sou daqueles que não esquecem a lei do retorno: tudo que vai, volta. Deixando os entretantos de lado, os finalmente ocorreram exatamente no dia da tal obra no vestiário feminino. Terminada a aula, parti para o banho. No melhor estilo Adão no paraíso, saí do toalete (eita palavrinha baitola) e dou de cara com a garota quase ruiva se trocando. Após o susto e a certeza de que ela estava no lugar certo, confesso que tive medo e raiva da miragem, cuja profundidade felizmente não foi vista pelas verdadeiras meninas.

Silenciosamente distante do labiríntico e nebuloso assunto, Dari Ballet foi minha testemunha ocular da fake news em pessoa. Com seus olhos de lince no cio, o mestre das acrobacias aquáticas entendeu a máxima dos filósofos contemporâneos, para os quais nem tudo que respinga é chuva. Enfim, o tchan era um Zebedeu que mais parecia um lombrigão em estado vegetativo. Pouco importa a imbrochabilidade do dito cujo. Estabelecendo o devido marco zero entre mim e ela (?), de imediato memorizei a primeira Lei de Murphy, que fala da probabilidade e da capacidade que as coisas têm de dar errado. A segunda me foi dita pelo português da padaria: “Quando as coisas estão a correr bem, alguma coisa correrá mal”. E correu.

Me achando o bam bam bam do tchan tchan tchan, tirei a prova dos nove com a nudez sem graça da jovem manceba. Apesar da perna relativamente comprida, naquele momento me dei conta da falha humana que carrego desde menino: o dela (?) era bem maior do que o meu. Entre perdido, desapontado, desesperançado e decepcionado, incorporei a tese freudiana de que a verdade demora, mas chega sempre sem avisar. A propaganda enganosa nem sempre é a alma do negócio. Me retirei do recinto antes que ela (?) usasse da criatividade profana e me apelidasse jocosamente de um famoso doce dos tempos de menino: a maria mole. O resumo da ópera é simples: o que inicialmente indicava que acabaria em um a um, não passou de zero a zero. A Coca-Cola era Fanta. Molhada e intocável, a “deusa” loura era o Tonhão.

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