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Na pressa da vida, mesmo usando um bonde que fez a história

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José Escarlate

Virando a página, essas experiências foram por mim abraçadas intensamente com uma irresponsabilidade gostosa, principalmente por sentir a chegada de tempos modernos, quando fui testemunha ocular de um grande avanço da história. Do advento da televisão. Da modernização de vida. De hábitos e costumes.

Desfrutei com muito amor da beleza incomparável, a alegria e o sol de verão da minha mui leal e heróica Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, Como também a São Paulo da garoa, terra boa, que curti avidamente e onde sempre tive como um ponto acolhedor, desejável.

Uma das atrações do domingo paulistano era o brunche do Mosteiro de São Bento, onde estudei. Movimentado por conta da Missa dos Monges às 10 horas, sempre lotada, havia o som dos cantos gregorianos, acompanhado pelo órgão de 7.000 tubos. Era um verdadeiro concerto. O brunche ocorria no último domingo do mês, com a abertura do refeitório com sofisticadas iguarias dos monges e da gastronomia dos grandes Chefs de São Paulo. Ficava lotado. Tinha música erudita e contemporânea e exposições da arte sacra barroca à contemporânea. Detalhe importante para mim: ex-alunos não pagavam.

São Paulo mais parecia outro país. A nata da sociedade brasileira vivia lá e na ponte aérea para o Rio. A Maison Canadá, do Rio foi o chamariz da sociedade paulistana como a casa de moda dos anos 1950, pioneira da alta costura nacional. Os Lafer, os Jafet, os Penteado. Os Matarazzo eram considerados “casca grossa” e só entravam na lista quando o assunto era dinheiro.

Mas as coisas de São Paulo, seus hábitos, seus costumes, e até suas noites tinham um novo aplomb, um modo de vida inteiramente diferente do Rio querido. Aquilo me fascinava. São Paulo sempre foi a minha fuga favorita, onde me deixava envolver pelo mundo novo que eu estava descobrindo.

O dístico do brazão de São Paulo me atraia pela assertiva: “Non ducor, duco”. Em bom português “Não sou conduzido, conduzo”. Morei alguns anos em São Paulo, na época da Segunda Guerra Mundial. Havia blackout e os carros eram movidos a gasogênio. Estudei também no Mosteiro de São Bento paulistano, no Liceu Eduardo Prado e, ainda, na Fundação Casper Líbero, primeira escola de jornalismo do país, dona dos jornais “Gazeta Esportiva” e “A Gazeta”, onde trabalhei e, depois, a TV Gazeta.

Os bondes ostentavam mensagens cívicas enfatizando o orgulho de ser paulistano. “São Paulo, o maior centro industrial da América Latina”. Eu não era paulistano, porém, admirava aquele orgulho e me sentia como tal.

Gostava daquela São Paulo. Do Viaduto do Chá, do bonde “Camarão”, por ser vermelho. Do Pacaembu e do Parque Água Branca. Das litorinas, quando ia a Campos de Jordão. Minha estada paulistana era gostosa, mas pesada. Lá, muitas vezes, eu vivia um bom mau momento, mas vivia. Sem um tostão no bolso, ficava namorando o pastel do chinês, em frente à loja da praça da Sé ou da praça dos Correios, junto à parada de bondes. E o meu olhar era tão significativo, tão pedinte, quase que de súplica, que o chinês fazia sinal e me dava um pastel. E assim eu superava a fome, por absoluta falta de dinheiro. Mas vivia meu orgulho, intensamente.

Ansioso, eu tinha pressa. Uma pressa imensa em alcançar o sucesso, embora sem a necessária paciência para esperar a hora chegar. Muitos erros e escorregões pintaram na minha estrada. Por vezes, bem que procurava corrigir os rumos da nau da vida, contornando os obstáculos, virando a página. Fui tarimbado na escola da vida.

PV

 

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