Terrível e magnífico
NÃO OUÇO MAIS BACH POR HOJE!
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A julgar pela música e pela literatura produzidas, um dos períodos mais férteis da história do Ocidente foi aquele em que ocorreu o fenômeno cultural que chamamos de barroco. Toda a dor da morte, ainda não definitiva, do Deus cristão e seus mitos, toda a angústia diante de uma hegemonia burguesa ainda por se formar, toda a tristeza diante de um mundo de opressões coloniais e do mundo do trabalho ainda não inteiramente consolidados, todo o cinismo necessário aos homens e mulheres dedicados à criatividade e ao conhecimento, tudo, enfim, que reúne a consciência do terrível e maravilhoso mundo do capitalismo ainda, em estágio inicial, está expresso no Chiaroscuro e na arte de luz e sombras do barroco. Não havia mais o sublime e também não existia a cisão entre arte popular e arte erudita. Os artistas não eram nem ídolos pop e nem intelectuais de classe plenamente consolidados. A melancolia cínica, não, patética, do barroco me corta ao meio. Alguns de seus arabescos e imprecisões são quase arte zen. O Ocidente ainda não havia cedido terreno inteiramente ao cinismo racionalista em que mergulharia. As falsas promessas de progresso ainda não predominavam.
O que a arte barroca, de certa forma, prefigura e antecipa é terrível e magnífico. Não mais sublime e nem vulgar, nem arte para ser contemplada e nem arte para ser consumida pelo mercado. Arte para um Deus agonizante e para o Diabo da vida burguesa vazia de transcendência e plena das promessas vãs do consumo.
Agora, vivendo em pleno período de começo da decadência daquele mundo, então, nascente, e na periferia dele, eu me pergunto com a cínica melancolia barroca que me resta: sobreviveremos ao Ocidente e ao capitalismo, sua mais maravilhosa e terribilíssima construção, ou seus deuses mortos e ídolos laicos irão destroçar completamente a nós e ao planeta em sua derrocada?
Vou ouvir Kitaro ou um bom samba do Jorge Aragão, enquanto espero pela resposta que não virá. Não ouço mais Bach por hoje!
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Claudio Carvalho publicou poemas, contos, romances, livros acadêmicos, ensaios. Ativo participante de saraus literários. Teve peças de teatro montadas. Fez letras de música popular. Seus trabalhos literários mais recentes são: “O Canal,” “365-D: a corda esticada entre o vazio e a coisa amada”, “Ninguém Escreve por mim: textos da Oficina A Palavra Escrita, História e Prática 2023” e “Cem, Sem, Zen: Sonetos”. Graduado em História. Mestre e Doutor em Vernáculas e pós-doc em Estudos Culturais. Professor do Instituto Nacional de Educação de Surdos, no Ensino Superior. Coordena a Oficina Palavra Escrita: História e Prática. Membro efetivo da União Brasileira de Escritores (UBE-RJ)
@claudiocarvalhoautor