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Fadinha

Nestor escrevia contos fantásticos e gostava de uma pitada de erotismo

Publicado

Autor/Imagem:
Cadu Matos - Foto Francisco Filipino

“Yo nos creo en brujas, pero que las hay, las hay.”

Nestor dizia sempre isso. Claro que acreditava em bruxas. E igualmente em vampiros e lobisomens. Mas em fadas? Fadas não existem. Não em seus contos.

O problema era que Nestor escrevia contos fantásticos, e sempre colocava neles uma pitada de erotismo. Por isso, escolhia seus monstros levando em conta esse benefício colateral. Vampiros eram ideais, sofisticados, sedutores e, acima de tudo, sugadores. O que trazia benefícios deliciosos para as vítimas, sorte delas.

Lobisomens eram outro departamento. Com eles, entrava-se nos domínios do babado forte, das parafilias – termo técnico e politicamente correto para taras – e, especificamente, da zoofilia. Havia inúmeras variações: lobas no cio, lobos com um olfato apuradíssimo, capaz de detectar feromônios de desejo e por aí vai. Seus contos fantástico-eróticos com lobisomens e lobisfêmeas atraíam leitores entusiasmados.

Com as fadas era diferente. Eram pequeninas, lembravam menininhas. Um conto protagonizado por uma delas resvalaria perigosamente para a pedofilia, e esse era um limite que Nestor jamais cruzara.

Certa noite Nestor estava em casa, em busca de inspiração para um conto. Não veio nada. Desistiu e foi dormir pouco depois da meia-noite.

Quando estava quase adormecendo, ouviu uma voz de criança pronunciar baixinho o seu nome. Levantou-se assustado, acendeu a luz – e deparou-se com uma fada. Tinha o porte de uma menina de uns dez anos. Não era loura como as fadinhas das produções da Disney, tinha uma pele morena bem brasileira. Mas as asas quase transparentes não deixavam dúvidas. Era uma fada mesmo.

– Nestor, minhas irmãs e eu gostamos de ler seus contos. Mas por que você nunca escreve sobre nós?

Ele engoliu em seco mas achou melhor abrir o jogo.

– Olha, você é uma gracinha. Só que, você sabe, meus contos mesclam fantasia e erotismo. E libidinagem com uma fadinha ia se aproximar demais de pedofilia. Você pode ter centenas de anos, sei lá, mas tem a aparência de uma garotinha com asas. Então sinto muito, não dá. Nem pra fazer coisinhas com as fadas nem pra escrever sobre.

A fadinha soltou uma risada cristalina.

– A culpa é de Hollywood. E em parte nossa, admito. O cinema retratou-nos assim e, por puro comodismo, nos acostumamos a usar essa aparência de criança. Mas os mitos celtas e germânicos nos apresentam de formas variadas. Alguns de nós são seres pequeninos, do tamanho da Sininho de Peter Pan. Outros parecem homens e mulheres adultos.

A visitante tomou fôlego e prosseguiu:

– A verdade é que somos seres de energia, podemos assumir qualquer forma. Acho que você vai gostar mais desta.

E transformou-se em uma morena estonteante, que usava um top sem sutiã e um shortinho que fez Nestor salivar. E, detalhe reconfortante, não tinha asas. Ela continuou:

– Você deve estar se perguntando por que vim aqui esta noite. Em primeiro lugar, para pedir que você faça de nós personagens de seus contos. Você vai estar em muito boa companhia, junto do dramaturgo inglês William Shakespeare, por exemplo.

O rosto da fada abriu-se num sorriso.

– Ah, que saudade de Billy Shakespeare! Traçou todas as fadas em forma feminina e todas em forma masculina. Sem falar que forneceu vislumbres da Faerie, o mundo das fadas, em sua peça Sonho de uma noite de verão.

A fada voltou a sorrir, agora de modo sedutor.

– Em segundo lugar, gostaria de transar com você. Sabe, no reino das fadas o sexo rola adoidado, meninos e meninas, meninas e meninas, meninos e meninos e, como podemos alternar formas femininas e masculinas, você pode imaginar a loucura que é… Mas depois de séculos disso, com os parceiros de sempre, ansiamos por novidades. Assim, quando os deuses colocam em nosso caminho um humano sem preconceitos, agradecemos a dádiva e vamos em frente!

Depois dessas palavras, a fada mostrou-se totalmente nua, num passe de mágica; removeu as roupas do contista e…crau.

Foi uma delícia. Parecia coisa de outro mundo, e era mesmo. Afinal pararam para descansar, mas a fada queria mais.

– Falei que mudava de forma, né? Espero que você goste!

E transformou-se num cara enorme, que investiu sem dó nem piedade, mas sem perder a ternura. Depois do susto inicial, o contista adorou. “A próstata tem razões que a própria razão desconhece”, reconheceu, feliz.

Quando a coisa acabou de vez, combinaram novos encontros.

– Uma transa depois de cada conto de fadas que você escrever – prometeu ela, novamente na forma de uma mulher deliciosa. – Comigo ou com uma de minhas lindas irmãs – olhou bem para ele e deu um risinho. – Mas talvez você tenha gostado mais de minha versão masculina…

– Olha, fadinha querida, quem sou eu para pôr entraves na sua capacidade de se transformar? Venha como quiser, qualquer prazer me diverte …

– Deuses, Bill Shakespeare disse a mesma coisa! – exclamou a fada.

Voltou à forma de criança, abriu as asas e voou pela janela do apartamento.

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