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Decepção não mata

No Brasil de Bolsonaro, até Renan faz milagre

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Autor/Imagem:
Mathuzalém Junior*

A eleição presidencial de 2022 ainda está longe, mas as campanhas já estão nas ruas. Precavidos, os dois principais candidatos já colocaram seus sapatinhos em busca de alianças partidárias. Por enquanto, apenas especulações, mas a movimentação antecipada dos lados direito e esquerdo é reflexo do medo da derrota. Nada é cristalino até agora por razões óbvias. Fazendo uma analogia com a pandemia de Covid-19, é natural que os envolvidos nessa futura batalha pela sobrevivência política esperem as duas doses do imunizante. Nenhum dos dois pode correr risco de um resultado falso positivo, ou seja, alardear apoio dessa ou daquela legenda e ficar órfão exatamente na hora da onça beber água. No entanto, os números desta semana soam como mantra para um e como marcha fúnebre para outro.

A procissão ainda não atingiu a primeira curva, mas o andor já começou a pesar para aqueles cujas fotografias permanecem embaçadas na memória de gregos, troianos e baianos, para os quais a grande descoberta é que decepção não mata. Nessa altura da vida e das dificuldades político-eleitorais, as mexidas no tabuleiro não devem ser imprecisas, claudicantes, duvidosas, muito menos picadas. As formalizações permanecem nos bastidores, mas cada um dos promissores postulantes contabiliza pelo menos quatro partidos em suas fileiras. Definidos no vértice à direita, PP, PL, PTB e Republicanos. Com a esquerda, fecham o PSB, Psol, PCdoB e logicamente o PT. Aguardando o melhor dote ou, quem sabe, o surgimento de uma complicada terceira via, estão à beira do altar MDB, Democratas, PSD, PSDB, Podemos, Patriotas, entre outras siglas com menor poder de barganha,

São apenas três letras, mas, além de assustadora, a palavra fim é impronunciável tanto para Jair Bolsonaro quanto para Luiz Inácio. Para eles, o valor está na força da conquista. Sem mostrar trabalho e com dificuldade para consolidar uma base, um jamais conseguirá ser eleito novamente com votos de eleitores que protestavam contra a candidatura apoiada à época por um líder com problemas na Justiça. Liberado para a disputa, mas ainda não inocentado, o outro sabe que qualquer desvio de conduta ou falha nas escolhas pode ser fatal, principalmente porque, além da idade que já chegou, o povo é carrasco quando obrigado a julgar reincidentes. Para os que se imaginam unanimidade, é bom que saibam de uma vez por todas que, às vezes, nosso principal problema não está nos obstáculos que temos de enfrentar, mas na teimosia de querer resolver tudo sozinho.

Outrora estrela fulgurante e que causava pesadelos em simpatizantes do Flamengo, Corínthians, Palmeiras, São Paulo, Grêmio, Atlético Mineiro e até em alguns do Vasco da Gama, o ex-juiz Sérgio Moro foi “satanizado” e ficou pelo caminho. Aliás, é de bom alvitre lembrar que a demonização do homem da Lava Jato despreocupou fulano, ciclano e muitos beltranos. Satanismos à parte, não devemos esquecer que, no meio da estrada, há uma incômoda CPI, cujo desfecho pode abrir um abismo infestado de morcegos hematófagos para um deles. Renan Calheiros, o timoneiro desse barco “covideiro”, tem mil faces. A mais nova é a de protetor dos atingidos pelo vírus supostamente criado na China, mas aprimorado no Brasil do Messias. Os dois primeiros depoimentos foram definitivos para refrescar a memória dos brasileiros a respeito da tragédia que já infectou 15,5 milhões de pessoas e transformou em números outras 430,4 mil, incluindo o ator e humorista Paulo Gustavo.

Os demais depoimentos? O silêncio ou as respostas evasivas mostraram quem é quem nesse jogo. O problema é de quem assiste das arquibancadas. Por mais que tentem, esses não conseguem fugir da cruz ou da espada. Embora estejamos sofrendo com a pandemia, ultrapassamos faz tempo a fase da cólera. Mas não a vencemos. Me cansei da história do não reproduzam o que digo, tampouco façam o que mando, pois altero tudo antes de completar a frase. O texto é hipotético, mas real em se tratando das “reuniões” protagonizadas pelo presidente da República com colaboradores, apoiadores e formadores de opinião às avessas. Com a profusão de fakes, tenho a impressão de escrever no deserto e, às vezes, uma vontade enorme de chamar de minha a paralisia mental dos que, por exemplo, acreditam na inocência administrativa do ex-ministro Eduardo Pazuello.

O Brasil está desorientado e triste. Não sei de quem é essa frase, mas dela me apropriei por sua amplitude e atualidade. O país já dispõe de “mísseis” capazes de conter a disseminação das teorias conspiratórias. Complicado é evitar que a meia dúzia que as recebem como fatos não se imaginem em Gaza ou em Jerusalém. Não torço pela incapacidade do presidente, como querem alguns juristas, mas não posso deixar de registrar que sua competência e erudita verve política conseguiram transformar Renan Calheiros (o homem de dez processos) em quase santo milagroso e milagreiro. E fez isso em Maceió, reduto eleitoral do novo santo. Como cunhou padre Fábio de Melo, “Jesus está mais próximo da prostituta que sabe que é pecadora do que do religioso que pensa que é santo”. Amém.

*Mathuzalém Junior é jornalista profissional desde 1978

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