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Resenha literária

NO ESCURINHO DO CINEMA COM UMA AMIGA CINÉFILA

Publicado

Autor/Imagem:
J. Emiliano Cruz - Foto Divulgação

Antes de mais nada, gostaria de declarar que a leitura da coletânea de crônicas recém-publicada de autoria da minha amiga Brígida de Poli – jornalista e escritora – reclassificou a minha posição perante o apaixonante tema denominado “cinema”.

Explico, sempre me considerei um cinéfilo de carteirinha, mas, após a leitura de “No escurinho do cinema, memórias de uma cinéfila”, tomei consciência de que, na verdade, eu pertenço à tribo dos fãs/apreciadores de cinema, pois cinéfilo(a), na acepção da palavra, é mesmo a autora dessa obra e quem mais tiver o amor incondicional, a resiliência persecutória e o conhecimento que ela conquistou sobre o universo do cinema.

Nas setenta leves e deliciosas páginas da obra mencionada, Brígida intercala lembranças desde tenra infância e análises profundas sobre a sétima arte e (ouso dizer) alguns dos milhares de filmes a que já assistiu, seja na telona tradicional do escurinho dos cinemas ou nas telas menores da própria casa.

Pergunto, quem nunca riu, chorou, se emocionou, refletiu e, de alguma forma, até repensou os seus conceitos sobre a vida frente à mágica tela que nos atrai feito borboletas sobrevoando um jardim?

Nessa toada, Brígida nos relata passagens da sua jornada pessoal de cinéfila-raiz e as aventuras, delícias e desventuras que marcaram o seu extraordinário vínculo com o cinema, entretanto, nos vinte e seis capítulos da sua inspirada coletânea, faz muito mais do que isso. Surfando na informalidade da sua envolvente verve, ela nos faz refletir sobre a influência da sétima arte nos caminhos da História, assim como também na incidência da magia do cinema sobre a singularidade da nossa visão sobre o mundo e até mesmo sobre o sentido da nossa própria existência.

Com a finalidade de dissecar alguns aspectos da obra, inicialmente destaco um curioso capítulo que, por emblemático, merece uma atenção especial, visto que vincula um importantíssimo aspecto da história de vida da autora com a sua singular ligação com o cinema. Trata-se do capítulo seis denominado “Sem negociação”.

Nele, ainda “jovenzinha”, ela revela a sua firme atitude de nunca namorar durante uma película, pois “cinema é para ver o filme!”, sendo que tal imperativo kantiano era imediatamente comunicado aos pretendentes que a convidavam para “um cineminha”.

Quais foram os desdobramentos da aplicação de tal princípio inflexível e inegociável? Sinto muito, prezados leitores, esse spoiler cessa aqui, vocês terão que ler a obra para saciarem essa e outras curiosidades.

No capítulo sete, Brígida nos revela os critérios e emoções que definiram os seus três mais amados crushs da tela mágica. Essa “confissão” vou adiantar por aqui, dada a excelência e proverbial refinamento das escolhas que, antes de qualquer outro critério, com certeza primaram pelo talento e carisma holístico dos eleitos: Marlon Brando, Sidney Poitier e Sean Connery.

Na mesma trilha da autora e fazendo uso dos mesmos critérios (?), aproveito para confidenciar aqui as minhas três musas de ouro do cinema, sendo que minha amiga compartilha comigo a unção divina da terceira citada: Sharon Stone, Demi Moore e Juliette Binoche. Então, leitoras e leitores, temos bom gosto?

A autora, após ter se formado em jornalismo, conta-nos que, no exercício da sua atividade profissional, conseguiu realizar o sonho de conhecer pessoalmente alguns ídolos do cinema. Entre eles, destacam-se Débora Bloch, Chico Diaz, Carlos Alberto Ricceli, Cacá Diegues e, para a sua eterna e doce recordação, uma figura que transcende qualquer comentário e cujo nome é sinônimo de arte, simplesmente o grande e insuperável Chico Buarque de Hollanda (inveja master).

Todavia, realidade ou licença poética, em outro capítulo da obra, a autora relata um encontro pessoal ainda mais inesquecível com um certo diretor italiano que hoje mora no Olimpo da sétima arte. Quem seria o monstro sagrado? Façam suas apostas.

Algumas estratégias de ação reveladas pela autora-cinéfila com as quais facilmente, nós, amantes da sétima arte, nos identificamos de imediato, sem dúvida foram os artifícios de infância-juventude na árdua luta para entrar nas salas de sessão e assistir aos filmes disponíveis nos cinemas das nossas cidades, ultrapassando as proibições regulamentares e sem gastar um dinheiro que não tínhamos na época.

Por exemplo, nas batalhas que desafiaram o proibido, Brígída relata que usou salto alto quando menina para parecer mais velha e burlar a proibição da faixa etária do filme, promoveu a “alteração” da data de nascimento na carteirinha de estudante com a mesma finalidade, deu um jeitinho para ficar dentro do cinema durante o término de uma sessão e o início de outra, garimpou sessões duplas para economizar e “matou” aulas para priorizar os filmes que não dava para perder. Pergunto, quem nunca entrou nessa grande tribo?

Outro capítulo significativo que vale destacar refere-se aos tempos de chumbo da ditadura militar e da censura às artes. “Dona Solange”, a executiva do regime nessa “digna” tarefa, passava impiedosamente a tesoura e proibia ou mutilava os filmes que o governo militar considerava moralmente inadequados e/ou perigosos à ordem vigente. Dentre os filmes proibidos de serem exibidos no país por muito tempo, Brígida cita, entre outros, “Laranja Mecânica” e “O último tango em Paris”, dois filmes que eu também corri para assistir assim que liberados.

Outro destaque da obra sinaliza para os medos terrificantes e também para as alegrias redentoras que alguns filmes provocam e que deixam marcas em nosso inconsciente. A autora destaca entre aqueles que gelaram a sua alma: “O exorcista”, “Alien, o 8º passageiro” e “A bruxa de Blair”. Já entre os que elevaram a sua alma e deixaram a vida mais doce, cita, “Dançando na chuva” e “Priscila, a rainha do deserto”.

Os bastidores e o mundo real por trás das telas também foram objeto de análise da pertinaz e atenta autora. Esse aspecto do mundo não tão mágico do cinema foi abordado no capítulo vinte e dois denominado “Ídolos de pés de barro”. Nele, Brígida fala de aspectos nada edificantes que envolveram, por exemplo, o diretor Elia Kazan, o astro de primeira grandeza Marlon Brando, o brilhante Woody Allen, Mel Gibson, Morgan Freeman e até mesmo a doce e bela Winona Ryder.

Na crônica sobre o legado pessoal do cinema, a autora relaciona aspectos que, juntamente com a literatura, permitiram que ela enxergasse o mundo de um patamar mais elevado, conhecendo, entre outras causas dignificantes, o feminismo e a luta das mulheres, a luta contra o racismo, o pacifismo e a luta pela preservação do meio-ambiente. Ela não se furta a mencionar que o mundo mágico das telas também provocou efeitos não tão saudáveis, como o hábito de fumar, atualmente já abandonado.

Sobre os seus filmes preferidos, cito a frase da autora que, por emblemática, diz tudo sobre a sua insuperável paixão cinéfila-raiz:

-Depois de milhares de horas no escurinho do cinema, chego fácil a cem filmes favoritos e ainda peço para ampliar a lista!

Não obstante a amplitude dos amores filmográficos assumido pela autora, “No escurinho do cinema” nos brindou com a lista dos dez filmes tops da História do cinema, relação que, todavia, ela alerta ser por demais flexível e que pode mudar de um dia para o outro.
Talvez até por isso, não vou citar aqui esse top ten de ouro, deixando isso para os leitores conferiram diretamente na leitura do livro.

De resto, uma última observação do autor dessa resenha:

— Cinéfilos, apreciadores/fãs de cinema e curiosos em geral, leiam a obra porque vale à pena. Ele já está disponível no site da editora.

No escurinho do cinema: memórias de uma cinéfila

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