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Vontade soberana

No paraíso suburbano, o que mais se sobressai é a coragem do povo em fazer

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo - Foto de Arquivo

Simpatizante da cultura urbana, particularmente a suburbana, tenho predileção por aqueles que, de forma simplória e romântica conseguem transformar uma banana da terra em uma suculenta moqueca. Lembrar do limão e da limonada não dá mais ibope. Também está fora de moda dizer que pobre gosta de ser pobre. Pelo contrário. Parafraseando aquele cidadão nordestino cujo primeiro diploma foi o de presidente da República, ainda que fora da realidade, pobre gosta mesmo é de coisa boa, de comer bem, de comprar os melhores produtos na feira e na Black Friday. E não importa que seja em 24 ou 36 prestações.

Portanto, continua vigente a tese carnavalesca do artista Joãosinho Trinta, para quem o povo gosta mesmo é de luxo, deixando a miséria para os intelectuais. Já ouvi dizer que o povão pode ser induzido a seguir uma causa, mas nunca a compreendê-la. O Brasil viveu algo parecido durante quatro recentes anos. O que não disseram para o moço que queria dominar a massa é que, para conhecer o caráter do povo, é preciso ser príncipe, e, para compreender o do príncipe, é preciso pertencer ao povo. Resumindo, quando a vontade do povo é soberana, o governo é um fiel servidor, mas, quando a situação é inversa, o povo é escravo.

Vim do povo e serei sempre do povo. Com a metodologia poética do moçambicano Mia Couto, aprendi que cada um de nós descobre o seu anjo tendo um caso com o demônio. Por isso, concordo ipsis litteris com a afirmação de que a maior desgraça de uma nação pobre é que, em vez de produzir riqueza, produz ricos. Adepto da filosofia popular de que mais vale um seio na mão do que dois no sutiã, desde cedo convivo com a máxima suburbana de que honra não se lava com sangue, pois, além de sujar toda a roupa, cria embaraços à liberdade e impede que a traidora também confeccione para o Ricardão um belo chapéu de touro.

Aproveitando o ensejo corneológico, relembro uma das mais sérias teorias de Sérgio Porto, o meu, o seu, o nosso Stanislaw Ponte Preta que, apesar do nome, era torcedor fanático do Fluminense carioca. Segundo ele, o marido enganado é apenas um homem que se engana a respeito da mulher que o enganou. Ponto final. Desse mundão de Deus, o que mais prezo são as coisas que me chegam do povo, pelo povo e para o povo. Por exemplo, é comum ouvirmos que a mulher enganou o Diabo. Atire a primeira pedra quem discorda da afirmação. Do meu catre cinzento e frio, vou mais longe: Se o Capetão entendesse de mulher, não teria rabo e nem chifre. Não à toa, a filosofia do povão estabeleceu que viúvo é um réu que obteve liberdade condicional.

Outra terrível filosofia popular e sobre a qual não tenho conhecimento de causa revela que, do jeito que as coisas vão, em breve o terceiro sexo estará em primeiro plano. O que sei é que o problema vem gerando numerosas reclamações entre as mulheres. A mais comum é que está faltando homens no mercado. E não adianta informá-las que mercado não é lugar para se achar machos alfa. Eles são facilmente encontrados nos bares e casas de facilidades, onde o tratamento vip das funcionárias públicas é do tipo exportação. Vale a pena consultar o cardápio.

O mais interessante no paraíso suburbano é a coragem do povo. Comum nas praças mais abastadas e menos honestas, as frases Sou feliz com o que tenho, Amo minha mulher, Jesus está contigo, Deus acima de tudo e Dinheiro não traz felicidade viram provérbios desembaraçados, corretos, atuais e, sobretudo, sem margem de erro. Por exemplo, não é incomum encontrar no calçadão de Bangu ou no Mercado de Madureira um afrodescendente de inteiro teor e sem a necessidade de vênias portando uma camiseta de algodão com a seguinte e verdadeira revelação: “Dinheiro sobrando, bilau mole, hemorroidas, fimose e chifre ninguém diz que tem”. Que se apresentem os mentirosos ou calem-se para sempre.

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Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras

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