Mobilidade urbana
Nordeste vive entre as promessas de modernização e a realidade das ruas
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Recife, Salvador, Fortaleza, Maceió, Teresina. Diferentes capitais nordestinas, mas com um problema em comum: a mobilidade urbana. Em 2025, os gargalos do transporte público e da circulação de pessoas nas grandes cidades da região se tornam cada vez mais evidentes, revelando um cenário em que os projetos de modernização ainda não dão conta da velocidade com que a população cresce e demanda melhores condições de deslocamento.
A base do transporte urbano no Nordeste continua sendo o ônibus, responsável por mais de 70% dos deslocamentos diários nas principais capitais. No entanto, as queixas se repetem: atrasos constantes, superlotação e frota envelhecida.
Em Salvador, onde circulam cerca de 2.300 ônibus diariamente, usuários relatam esperar até 40 minutos em pontos sem abrigo e enfrentar viagens longas em veículos sem ar-condicionado. “Passo quase três horas por dia dentro de ônibus. Saio de casa às 5h30 da manhã e só chego no trabalho às 8h. No fim do dia, a mesma maratona”, conta a balconista Luciana Santos, 28 anos, moradora de Cajazeiras.
As iniciativas de diversificação do transporte público esbarram em dificuldades financeiras e administrativas. O Metrô do Recife, inaugurado em 1985 e considerado um dos maiores do Norte-Nordeste, sofre com falta de investimentos. Em 2024, o sistema enfrentou paralisações por conta de salários atrasados e manutenção precária.
Em Fortaleza, o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) do Parangaba-Mucuripe, projetado para reduzir o tráfego em uma das áreas mais movimentadas da capital, ainda não atingiu sua capacidade plena. “É um projeto importante, mas a integração com outros modais ainda é limitada. Sem planejamento de rede, o VLT sozinho não resolve”, analisa o urbanista Pedro Alcântara, professor da Universidade Federal do Ceará.
A mobilidade urbana no Nordeste é atravessada por uma questão estrutural: a desigualdade social. Nas periferias, a escassez de linhas regulares e a má conservação das vias obrigam moradores a caminhar longos trechos ou depender de transportes clandestinos. Em Teresina, as chamadas “lotações” ainda funcionam como alternativa informal para compensar a baixa cobertura dos ônibus.
Além disso, o transporte individual, sobretudo motocicletas, tornou-se solução improvisada. No interior e em cidades médias, o mototáxi é mais do que uma comodidade — é uma necessidade. Essa tendência, porém, vem acompanhada do aumento no número de acidentes: segundo dados da Secretaria de Saúde do Ceará, mais de 60% das vítimas de trânsito atendidas em hospitais estaduais em 2024 eram motociclistas.
O crescimento de aplicativos de transporte como Uber, 99 e mototáxi por app mudou a dinâmica da mobilidade nos grandes centros nordestinos. Em cidades como Recife e Salvador, esses serviços ganharam espaço entre usuários de classe média, mas enfrentam resistência de taxistas e motoristas de ônibus, além de desafios regulatórios.
“Esses aplicativos melhoraram minha mobilidade, mas não são acessíveis para todos. Uma corrida que custa R$ 15 equivale a quase duas passagens de ônibus. Para quem ganha um salário mínimo, não é uma opção diária”, observa o estudante Anderson Oliveira, 22 anos, de Recife.
Apesar das dificuldades, projetos de modernização apontam novos caminhos. Salvador ampliou faixas exclusivas para ônibus e aposta em corredores BRT, enquanto Fortaleza investe em ciclovias e em sistemas de bicicletas compartilhadas. Recife, por sua vez, incluiu metas de mobilidade sustentável em seu Plano Diretor, priorizando a integração entre ônibus, metrô e bicicletas.
O desafio é transformar planos em realidade. “O Nordeste tem potencial para liderar experiências de mobilidade inclusiva e sustentável no Brasil, mas isso exige visão de longo prazo, participação social e recursos estáveis”, destaca Carla Menezes, especialista em planejamento urbano.
Enquanto autoridades defendem obras de infraestrutura e parcerias público-privadas, a vida cotidiana nas cidades nordestinas continua marcada por filas, atrasos e longas horas de deslocamento. Entre o transporte público que não atende e as alternativas caras ou arriscadas, a mobilidade urbana segue sendo um dos maiores entraves para a qualidade de vida da população.
A questão que permanece é: até quando o direito de ir e vir será um privilégio, e não uma garantia, para milhões de nordestinos?