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Até tu, Brutus?

Novembro Azul passou e fez homem sorrir… e sentir dor

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo - Foto de Arquivo

De modo a que ninguém percebesse algum sintoma de prazer, do tipo um convite para um rodízio de pizza ou um piquenique no parque, esperei o fim do Novembro Azul para reavivar os contatos de terceiro grau com meu urologista, o amigo Geovani de Assis Pinheiro, a quem, sem ele saber, apelidei carinhosamente de Dr. Antônio Cipó. O melhor da consulta foi descobrir que não sou mais trifásico. Até tu, Brutus? Ainda meio zonzo e anestesiado por conta de minhas dúvidas, foi o que disse ao doutor no fim de uma longa e indescritível sessão de hipnose retal. Indescritível por causa da minha condição de macho alfa. Portanto, nada prazerosa. Aliás, no último dia D Geovani entendeu perfeitamente minha posição na sociedade viking e prometeu cuidar de minha virgindade prostática, desde que eu nunca lhe levasse flores.

No máximo, uma garrafa de vinho, um pão caseiro e um rosário de piadas urológicas. Topei de imediato, principalmente depois de avaliar, mesmo de longe, o porte do seu dedo médio. E lá se vão bons pares de anos. Eu disse anos. Por favor, respeitem meus cabelos brancos e não confundam pintos com rolas. Preocupado com meus princípios cristãos de levar para o túmulo o que Deus me deu de mais puro, lembro que, ao debutar no decúbito dorsal, quase desisti da aventura. Já estava ginecologicamente posicionado, quando percebi que ser burro leva mais tempo do que ser ignorante. Correr risco de morte por medo de um ou, no caso de outra opinião, dois dedos? Tô fora. É o toque que faz o homem sorrir e sentir dor.

Pronto para a luta. Até para não passar adiante qualquer sintoma de felicidade, tenho poucas e sombrias lembranças da primeira sessão, a chamada abertura da porta. Tudo bem se fosse apenas o tal do encosto retal que atinge o ônus da flora intestinal. Antes ou depois, ainda teve o sangue, a ecografia, a fotografia de minha alma urinária e o desaguar ajoelhado no penico com funil. Choroso e contido, me esquivei o quanto pude, não piscava o ataúde, mas me resignei ao ouvir do doutor que a cutucada era para o bem de minha saúde. O medo era tanto que, fora o dedo, não passava nada. Eu que jamais havia dado as costas para macho, estava ali de farol baixo e, na verdade, preocupado somente em não pensar na velha tese de que, mesmo sem olhar, posso do toque gostar e querer voltar. A lágrima no olho é somente um detalhe.

Apesar do estágio de torpor, nunca esqueci a frase que saiu sem querer: “Doutor, tente não me interromper enquanto estou tentando te ignorar”. Aproveitei o relaxamento para pedir a Deus força e coragem. Temia – e temo – pela tremedeira das partes baixas. Ainda bem que machos alfa só sentem tremores dos ombros para cima. Terminado o evento, minha sensação foi de um grotesco e doutrinário alívio. No silêncio ensurdecedor do recinto, optei pelo modo paz e amor enquanto recebia as recomendações e a receita médica. Veio à mente um ensinamento que recebi de meu avô no desabrochar de minha adolescência: “O silêncio é o suspiro de um grito calado”.

Saibam que, caso volte ao consultório, será apenas por precisão e não por saudades do cirurgião. Como na vida a gente tem de entender que um nasce para sofrer enquanto o outro ri, busco na sapiência de Sebastião Rodrigues Maia, o nosso eterno Tim, a forma mais simplória de agradecer e homenagear o doutor Geovani Pinheiro. Afinal, foi ele quem me deixou ereto para o resto da vida. Depois de certa idade, mais importante do que perder o medo de deixar de ser macho é procurar periodicamente o urologista e descobrir que, além do cachorro, ele atualmente é o melhor amigo do homem.

Pelo menos é o único cidadão a quem podemos entregar a vigília do santuário localizado na Faixa de Gaza sem receios de que o túnel seja maculado por instintos belicosos ou sexuais. Para aqueles que estão começando a fase da calça arriada até os joelhos, convém lembrar que basta um toque para tudo ficar azul. E azul da cor do mar. Escolham bem o dedo e, após a consulta, jamais saiam do consultório com cara de quem está no saguão de um aeroporto aguardando o barco da felicidade. Cuidado, pois é assim que você se entrega. Eu não corro mais esse risco porque nem multifásico sou mais.

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