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Centro do Poder

O advogado, o deputado e o café

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Irene Araújo

Empertigado que nem pavão, Lauro, quer dizer, Dr. Laurentino Alves de Campos, proeminente advogado tributarista, era disputado por seleta clientela em Brasília. A paga, apesar de vul-tosa, não era questionado por quem solicitava seus serviços, mesmo porque, com o afamado profissional à frente, a causa não estaria de todo perdida, o que lhe pouparia alguns milhões de multas.

O luxuoso escritório, localizado na área central da capital, só recebia com horário marcado. É verdade que, quando a solicitação vinha do alto escalão, abria-se providencial brecha. E foi justamente por conta disso que o telefone tocou naquela manhã carregada de nuvens, relâmpagos e trovoadas, mas nem mesmo um mísero pingo de chuva.

— Sim, pode falar para o deputado que já agendei para o primeiro horário logo após o almoço.

— Obrigado mais uma vez, Sônia.

A secretária, ciente de que aquele atendimento demandaria mais tempo, refez a agenda do Dr. Laurentino. Nada além do que uma ou duas horas de postergação de outra consulta, já que o escritório só pegava causas milionárias.

No horário marcado, lá estava o deputado acompanhado de dois assessores. Sônia avisou o advogado que a autoridade havia chegado.

— Por favor, Sônica, traga-o aqui.

Enquanto acompanhava o deputado até a sala do Dr. Laurentino, ela não deixou de notar que os dois outros homens apresentavam volumes do lado direito da cintura. Ela não teve dúvida de que ambos estavam armados e, obviamente, eram destros.

Assim que entrou na sala, o deputado foi recebido com um sorridente advogado, como se velhos amigos fossem.

— Deputado, como vai o senhor? Há quanto tempo!

— É verdade, doutor.

— E o que traz o senhor aqui no meu humilde escritório?

O deputado, ao ouvir aquelas palavras, não pôde deixar de notar certo talento para política no advogado. Humilde? Não. Mas o que são dois ou três quadros de artistas renomados pendurados nas paredes diante da firmeza daquela voz? Vale é o que foi dito e não visto, pensou.

Servido de café, o deputado falou sobre o seu imbróglio com a Receita Federal. E, após mais de uma hora de conversas, o advogado explicou a situação e disse qual seria o melhor caminho a ser tomado. O político pareceu satisfeito e agradeceu.

— Então, doutor, vai pegar a causa?

— É claro, deputado. Temos grandes chances.

Apertaram as mãos e, antes de sair, o deputado perguntou se poderia tomar mais uma xícara de café. Logo em seguida, lá estava a secretária com duas garrafas de café.

— Doutor, preciso saber qual é a marca desse café, que é delicioso.

— Vou pedir para Sônia dar dois pacotes para o senhor, deputado.

— Muito obrigado. Mas por que o senhor sempre toma café dessa outra garrafa? Posso provar desse também?

— Poder até pode, deputado, mas não recomendo.

— Pois eu faço questão!

— Se o senhor insiste. Por favor, Sônia, sirva ao nosso nobre deputado.

Mal provou o café, o deputado o cuspiu.

— Que porcaria de café! Como é que o senhor consegue tomar isso?

— É que preciso manter as minhas raízes, caro deputado. Caso contrário, sucumbiria na primeira ventania.

……………………

Eduardo Martínez é autor do livro ’57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’.

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