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O planeta sofre

O Balão Dirigível da Terra

Publicado

Autor/Imagem:
Luísa Nogueira - Foto Francisco Filipino

Entre o concreto e o calor, o planeta pede leveza. Goiânia é o ponto de partida desta reflexão sobre como habitamos o mundo.

Minha Goiânia ficou para trás. Não a reconheço mais. Uma muralha de concreto a encobre. Saí há quarenta anos e levo comigo a memória de uma cidade de casas, de terra, de raízes. O que vejo agora é uma cidade que quis alcançar o céu, mas que, no processo, se perdeu de si mesma.

A verticalização acelerada é um fenômeno global. E, em Goiânia, transforma o horizonte. O concreto substituiu o cerrado, o calor se multiplicou, e o solo impermeabilizado tornou-se símbolo de uma urbanização que ignora a natureza. Cada prédio ergue-se como um monumento à pressa e ao esquecimento.

Não é apenas nostalgia. É constatação.

Pesquisas da UFG* mostram que a temperatura média de Goiânia aumentou 2,3 °C nas últimas quatro décadas, enquanto o número de árvores urbanas diminuiu cerca de 40%. As chamadas ilhas de calor ampliam o desconforto térmico, elevam o consumo de energia e agravam a poluição atmosférica.

A cidade que nasceu planejada e verde tornou-se exemplo do que acontece quando o planejamento cede espaço ao mercado.

A crença de que a vida melhora quanto mais alto moramos revela uma lógica insustentável. O ar-condicionado, que tenta corrigir o calor que nós mesmos produzimos, consome energia e intensifica as emissões de gases de efeito estufa. O ciclo é perverso: quanto mais concreto, mais calor; quanto mais calor, mais energia; quanto mais energia, mais carbono.

Onde estão os ventos que refrescavam as varandas? O sol que iluminava naturalmente as casas? A água da chuva, antes coletada e devolvida à terra?

Substituímos isso por fachadas de vidro que refletem o calor e sistemas caros que tentam imitar o equilíbrio que abandonamos.

Como escrevi em abril de 2022, em meu blog Multivias, a Terra se parece com um balão dirigível:

“Acreditamos que podemos enchê-la de tudo: cacarecos, cimento, máquinas, urgências.

Mexemos em sua estrutura, trocamos peças originais por engenharias ‘modernas’, alteramos o gás que sustenta o voo…

Até que um dia o peso vence o ar.”

(Multivias — “Goiânia, além dos aparta-mentes”, 04/2022)

Hoje, essa imagem retorna com ainda mais força.

A Terra segue carregando nossos edifícios, nossos carros, nossos ruídos e nossa pressa.

Empilhamos progresso como quem guarda tralhas em uma casa antiga, certos de que sempre caberá mais um pouco, que haverá espaço, que nada irá ceder.

Mas todo balão tem limite. O ar tem limite.

A confiança também.

Há um ponto em que o peso supera a leveza, e o ar rarefeito deixa de sustentar o voo.

Estamos próximos desse ponto. Ainda é tempo de aliviar a carga, reconhecer o essencial, olhar para o que sustenta e não apenas para o que eleva.

Ainda é tempo de notar que a Terra não precisa apenas subir. Ela precisa continuar respirando.

E nós com ela.

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*Confira as referências no dossiê da página Vozes da Terra – Especial COP30.
Leia o Manifesto Vozes da Terra à COP30 no dossiê Vozes da Terra
Série Vozes da Terra – Blog Multivias | #COP30
@luisanogueiraautora

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