A Cigana e o Amanhã
O baralho, o destino e um sorriso mais aliviado
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A mesa era coberta por um pano vermelho, bordado de estrelas douradas que cintilavam à luz bruxuleante da vela. Do outro lado, sentava-se a consulente, mãos trêmulas, coração acelerado. Queria saber o que o amanhã lhe guardava, como se o destino coubesse em um baralho gasto de cartas marcadas pelo tempo.
A cigana, com olhos negros como poços sem fundo, embaralhava lentamente. Cada gesto parecia carregado de um segredo ancestral. Quando abriu a primeira carta, falou com voz firme:
— O futuro é um rio que nunca cansa de correr. Você pode tentar atravessá-lo a nado ou construir uma ponte.
A consulente arregalou os olhos, tentando decifrar se aquilo era resposta ou enigma. Na segunda carta, a cigana murmurou:
— Há caminhos que brilham, mas nem todo brilho é luz.
Um silêncio pesado tomou conta do ambiente. A consulente, quase sem perceber, já não queria apenas previsões: buscava consolo, uma esperança que preenchesse as lacunas da sua solidão.
— E então? — perguntou com a voz embargada. — O amanhã será melhor?
A cigana sorriu, com a serenidade de quem já sabe que o amanhã, na verdade, não cabe nas cartas.
— O amanhã é sempre um espelho do que você planta hoje. As cartas apenas lembram o que o coração insiste em esquecer.
Naquele instante, a consulente percebeu que não era o futuro que a movia, mas a necessidade de acreditar em algo que desse sentido ao presente. A vela tremeluzia, e cada sombra projetada na parede parecia um aviso: o misticismo não transforma a vida, mas a forma como se encara o mundo.
Saiu dali mais leve, não porque soubesse o que estava por vir, mas porque havia aprendido que, no fundo, a maior magia é a fé que carregamos dentro de nós.