Crítica literária
O cotidiano como tragédia silenciosa em “Canto Escuro”, de Daniel Barros
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“Corrupção e prostituição na capital da República” , apontam blogs literários. “Trama policial sobre corrupção” , resume o Correio Braziliense. Embora ambos os temas estejam presentes em Canto Escuro , de Daniel Barros, funcionam sobretudo como pano de fundo. O que verdadeiramente sustenta o romance é o drama íntimo de seu protagonista, Paulo Henrique, e a lenta corrosão das relações humanas.
A narrativa é construída em estrutura *não linear, dividida em quatro partes. O romance se abre num ambiente de desencanto: Paulo Henrique trabalha em uma repartição onde práticas ilícitas se disseminam, sem que a denúncia feita por ele gere qualquer consequência concreta. Ao mesmo tempo, seu casamento se deteriora sob o peso do ciúme e das inseguranças da esposa, que revive traumas de uma relação anterior. O resultado é uma atmosfera de **esgotamento emocional*, que conduz o protagonista a um ponto-limite.
O segundo movimento do livro retorna ao passado. Antes do casamento, Paulo Henrique vivia cercado pelo hedonismo: festas, álcool e noites prolongadas, ao lado de dois policiais do Departamento de Entorpecentes. É nesse período que surgem as primeiras desconfianças quanto a fraudes em processos administrativos. Seu caminho cruza então com o de *Ivan Ximenes*, agente especializado em crimes de corrupção. Inicialmente secundário, Ximenes ganha corpo e densidade ao longo da trama, tornando-se um dos personagens mais interessantes do romance — exemplo do cuidado de Barros na construção psicológica e moral de suas figuras narrativas.

A terceira parte marca o esforço do protagonista em reordenar a vida: casamento, filho, busca por estabilidade. No entanto, o equilíbrio nunca se consolida. O desgaste conjugal se prolonga, a investigação conduzida por Ximenes emperra, e a esperança de resolução parece sempre adiada. O romance retorna então ao ponto inicial, encerrando o ciclo num desfecho que combina tragédia e impotência — marcas recorrentes na obra inicial do autor.
Em Canto Escuro, *o centro não é o crime, mas a vida comum. Barros escreve sobre pessoas reais, frágeis, divididas entre o cotidiano burocrático e a busca por sentido. Seus romances recusam heróis; preferem personagens que erram, hesitam e se desmancham. Há algo de **machadiano* na ambiguidade que o autor preserva: não sabemos, afinal, se Diana Lane Dier traiu ou não Paulo Henrique — e a dúvida é, talvez, mais reveladora do que qualquer resposta.
Com este livro, Daniel Barros reafirma um traço distintivo de sua ficção: a capacidade de tornar o ordinário uma lente para compreender o humano. Canto Escuro não oferece alívio — oferece reconhecimento.