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O monstro e a donzela

O leitor voraz de livros e revistas do gênero fantasy & science fiction

Publicado

Autor/Imagem:
Cadu Matos - Foto Francisco Filipino

Em sua adolescência, Jorge fora um leitor voraz de livros e revistas do gênero fantasy & science fiction. Uma história que jamais esquecera intitulava-se “O monstro e a donzela”, ou algo assim. O relato, bem curto, informava que, para aplacar a fúria assassina de um monstro, os anciãos da tribo ofereceram-lhe uma jovem donzela, que foi levada a uma clareira e presa a duas árvores. Horas depois, ouviu-se o som de metal batendo contra metal: o monstro se aproximava, cavalgando um animal de quatro patas. Na clareira, a virgem tentava inutilmente libertar-se, golpeava o chão com a cauda, abria e fechava as asas e buscava forças para enviar seu hálito de fogo contra o ser que avançava de lança em riste, protegido por uma carapaça que brilhava ao sol.

Jorge sorriu ao recordar esse episódio, enquanto caminhava para seu encontro com Leila. “Não sou Jorge da Capadócia, santo católico, ortodoxo e anglicano, matador de dragões”, pensou. “Sou Jorge, o macho-alfa, abatedor de fêmeas”. Ele estava convencido de que as conquistava com seu jeito rude, que considerava viril, característico de homens com H maiúsculo. Por vezes tinha vontade de fazer, em sua masculinidade, uma pequena marca para cada mulher abatida, à semelhança dos pistoleiros que pintavam uma cruz na coronha do revólver para cada inimigo morto; qualquer dia desses o faria, apesar da dor.

Nesta noite, a fêmea a ser derrubada seria Leila. Ai dela se ousasse resistir, se viesse com o mimimi feminista de “Não é não”: levaria uma surra de criar bicho. Porque Jorge gostava de transar com mulheres, mas o que o excitava mesmo era domá-las na base de muita porrada. Comparou a futura vítima com a dragoa do miniconto e sorriu. Leila não era uma donzela recém-entrada na puberdade, como uma fêmea virgem de dragão após o primeiro cio; tinha uns 25 anos e, sem dúvida, uma rodagem razoável – mas logo conheceria a potência de uma lança em riste. De sua lança.

Só que o encontro foi um fracasso. A cada observação machista de Jorge, Leila se retraía mais e mais. Lá pelas tantas, quando a levou até a entrada do apartamento dela, em vez de convidá-lo a subir, ela disse:

– Bom, então foi isso. Boa noite, até outro dia.

A presa tentando fugir? Nada de implorar por um novo encontro? As feições dele ficaram mais duras e retrucou, com voz ríspida:

– Que é isso, gata? Investi tempo e dinheiro em um jantar com você. Agora quero a sobremesa, um amorzinho!

– Vai pedir amorzinho a sua mãe, seu machista mal-educado!

E investiu com um golpe de muay thai que lançou Jorge no chão, gemendo de dor. A jovem, dragoa rodada, prosseguiu com o castigo, chutando-o impiedosamente, sem um pingo de fair play e muito menos de cavalheirismo.

Jorge recordou mais uma vez a historinha do monstro e da donzela, pensou “Uma armadura bem que ajudava…”

E desmaiou.

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