Vai e vem, vem e vai
O leque e o segredo que o passarinho me contou
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Um leque.
Uma moça com um leque. Uma moça, tatuada, com um leque.
Uma moça, num ônibus, tatuada, com um leque.
Uma moça, num ônibus, sentada à minha frente, com uma tatuagem e um leque.
A moça do ônibus não sabe.
Não sabe que seu leque passageiro trouxe lembranças de outros leques.
Muitos leques.
Leques de estilos variados: orientais, nacionais, de tecidos, rendas – até mesmo os de palha de coco, em forma de abano.
Foi em setembro, nos dias de muito calor.
Em setembro, uma moça, no ônibus, um leque abanava.
O leque, acenando, ia e vinha.
E cenas flutuavam no vai e vem do sopro do leque, e memórias despertavam.
O sopro se fez brisa, e a brisa me levando me fez voar.
Voando, no vai e vem do leque, eu vi. Eu vi!
Vi minha mãe sentada com seu leque azul.
Com seu leque rosa, rendado.
Com seu leque lilás.
Com seu leque-abano, feito com palha de coco.
Com seus muitos leques, minha mãe se abanava, e o sopro da brisa
acariciava sua face suave.
A moça do ônibus balançava seu leque, mas a mão já não era dela.
Era minha mão, balançando o leque.
Minha mão, indo e vindo, desenhava sorrisos no rosto amado de minha mãe.
Vi outras mãos – das minhas irmãs, de minha filha…
Outras mãos iam e vinham, abanando, abanando.
Abanando e refrescando o tempo da minha mãe no tempo conosco vivido.
Vai e vem; vem e vai.
O vai e vem do leque é o tic-tac do relógio. No ritmo.
Mas, o significado é diferente. O leque leva o tempo em brisas que passam de cá pra lá, de lá pra cá.
O relógio, não – o relógio leva o tempo pra longe.
O relógio diz que vai pra lá e pra cá, tic-tac, tic-tac, mas o tempo do relógio só vai.
O tempo do leque é o sopro do vento.
Vai pra lá e volta pra cá.
Eu vi. Vi o leque de minha mãe.
A moça do ônibus, sentada à minha frente, tinha uma tatuagem de passarinho voando.
A moça, o tic-tac levou.
Mas o passarinho, no tempo da brisa do leque, voando, voando, um segredo me contou.
O segredo do amor, ele me contou.
E um leque em mim tatuou.
Um leque colorido, o passarinho tatuou – com todas as cores, como as lembranças vindas no vai e vem das brisas do tempo.
Eu vi. Vi o leque de minha mãe.
E com o segredo de amor, o leque em mim tatuado ficou.
………………….
Nota: Escrevi a crônica “O leque e o segredo que o passarinho me contou”, em 2016, inspirada nos leques de minha mãe. Ela foi publicada originalmente em meu blog com o título “Um leque”. A foto da moça tatuada, com um leque nas mãos, é real. Eu a fotografei dentro de um ônibus, em Brasília, sentada logo atrás dela. O clique e o turbilhão de emoções que senti naquele instante me acompanharam até o papel. A outra foto que acompanha o texto no blog foi feita no aniversário de quatorze anos de minha filha. Ela posava com o leque-abano de sua avó, sob os risos cúmplices da própria avó e de uma prima, que vieram de Goiânia a Brasília para comemorar conosco. Pensei: o leque gira, como o tempo, entre gerações, gestos e lembranças.
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