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O destino

O RAPAZ DOS DEDOS ELÉTRICOS

Publicado

Autor/Imagem:
Maria Lúcia Flores do Espírito Santo Meireles - Foto Francisco Filipino

A gente, que escreve, se inspira no textos dos amigos, na história das pessoas e na própria história.

Lendo o texto Gregório, o ás da máquina de escrever, do notável escritor Eduardo Martínez, publicado no Quadradinho em Foco do Notibras, não teve como deixar de me lembrar de como vi meu esposo pela primeira vez e do barulho da máquina de escrever, a qual ele trabalhava.

Nasci em Luziânia, mas fui pra Brasília na tenra infância e fiquei lá até os 17 anos, quando voltei para minha cidade natal.

Meu pai arrumou emprego em Brasília, mas nunca tirou o pé de Luziânia.

A gente vinha a Luziânia de 15 em 15 dias. Tínhamos casa em Luziânia e, também por causa da igreja, que meu pai, minha mãe e eu éramos trabalhadores de Cristo.

Meu pai se aposentou e não quis ficar morando em Brasília e voltou definitivamente às origens, apesar de que sempre amamos Brasília, ainda mais que a maior parte do território do DF era Luziânia. O nosso sentimento por Brasília sempre foi genuíno. Consideramos Luziânia mãe de Brasília.

Como a gente vinha só aos finais de semana, ia para igreja e depois voltava para Brasília, eu não conhecia os órgãos públicos. Um dia, resolvi visitar a prefeitura, só para conhecer mesmo.

O prédio antigo da prefeitura, térreo, dois corredores imensos, o da direita, ao entrar, funcionava a Prefeitura Municipal e, à esquerda, funcionava o Fórum. Entrei pela direita. As pessoas deixavam as portas abertas e a gente ia passando pelo corredor e vendo as pessoas trabalhando. Salas de um lado e outro. À medida que ia andando, ouvia o barulho de uma máquina de escrever que mais parecia o barulho de uma metralhadora.

Eu ainda não trabalhava fora, mas, como o Eduardo relatou, naquele tempo, ter curso de datilografia era quase obrigatório. As pessoas faziam o tal curso para se preparar para o mercado de trabalho. Era um dos requisitos indispensáveis para trabalhar em qualquer lugar, ainda mais no Serviço Público.

Eu já era datilógrafa e sempre procurei fazer as coisas muito bem-feitas.

O exame final do curso, a gente tinha de dar 108 toques por minuto, essa era a média mínima para passar no tal exame. Se a gente não conseguisse os tais 108 toques por minuto, a gente era reprovada, tinha de treinar mais e fazer a prova novamente. Não recebia o tal Diploma de Datilografia se não passasse.

Já me esqueci de quantos toques consegui no meu exame, mas foi muito acima do mínimo exigido.

O barulho da máquina de escrever me fez ter curiosidade de conhecer o datilógrafo ou datilógrafa, que estava arrasando na máquina de escrever. Fui andando e, a cada passo que dava, o barulho ficava mais alto. Tá-tá-tá-tá-tá-tá-rá-tá-tá, espaço, o tá-rá-tá-tá de novo.

Quanto mais andava, a minha opinião boa sobre a pessoa aumentava. Quando cheguei em frente, era um rapagão, loiro, de olhos verdes, cabelos nos ombros, que coisa mais linda!

Quando ele percebeu que tinha alguém na porta, ele levantou as vistas, mas como eu não falei nada e tinha a secretária do lado para atender as pessoas, ele baixou as vistas novamente, sem diminuir a cadência da máquina de escrever.

Fiquei por alguns segundos admirando aquele moço que parecia ter eletricidade nos dedos. Já existia a máquina elétrica, mas eu ainda não conhecia.

Saí daquele lugar, voltei, nem terminei de andar no corredor. Era tudo igual, só as salas, com as portas abertas e as pessoas trabalhando. Saí falando sozinha.

— Que rapaz lindo! Vou casar com ele.

Não tirei o rapaz da cabeça, só pensava nele e no som da máquina de escrever na minha cabeça.

Eu tinha uma máquina de escrever portátil, que meu pai me dera de presente de 15 anos. Chegando em casa, peguei minha máquina e quis imitar o rapaz. Mas que ledo engano, não chegava nem perto.

A partir desse dia, saía do colégio, que só é separado da Prefeitura por uma rua, e dava uma volta na prefeitura para ver o rapaz dos dedos elétricos. Paixão à primeira vista, mas o moço nem notava a minha presença. E, como vi que ele não era menino mais, passei a ter certeza que era casado.

Pedi a uma colega para ir comigo lá, pois ela certamente o conhecia. Minha colega, não só o conhecia, como me deu a ficha completa dele, pois eram vizinhos.

Deu a sopa no mel, a palha na rapadura. O moço era solteiro e o melhor de tudo, não tinha namorada.

— Pois eu vou me casar com ele.

Minha colega riu e falou:

— Vai nada! Ele é super sério, só vive para o trabalho, é o caçula, só vive para o trabalho e para os pais idosos. Ele que cuida dos velhos. E ninguém nunca o viu com namorada alguma.

— Que maravilha! — disse toda animada — meu pai sempre me disse que, quando eu fosse arrumar alguém para casar, que observasse como ele trata os pais. Se tratar bem, vai ser bom para você também.

Você vai ver, eu vou me casar com ele.

— Vai nada, rapaz tem a época de casar. Ele já passou da idade de casar. Geralmente, os homens casam até os 21, 22 anos. Passando disso, não casam mais. Ele é mais velho que nós, 10 anos. Não casa, não.

— Eu tive quase certeza de que ele era casado, pois nunca me deu trela, só olha e abaixa a cabeça novamente, mas, agora, você falando que ele é solteiro e não tem namorada, espere e verá.

A minha colega ria, fazia graça com as outras meninas que o conheciam também. Mas, na minha cabeça, estava tudo certo. Eu iria me casar com o rapaz dos dedos elétricos.

Para resumir, dentro de quatro anos, estava eu me casando com o rapaz dos dedos elétricos. Essa minha colega não teve como ir no meu casamento porque, coincidentemente, ela se casou no mesmo dia e horário que eu.

Detalhe: no dia em que ela foi comigo à Prefeitura para ver se conhecia o então hoje meu esposo, ela conheceu um rapaz, que era recém-chegado do Nordeste, e foi com ele que ela se casou também.

Eu e ela estamos casadas há quase 50 anos.

O Cupido estava solto.

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