Dia chuvoso
“O Sonhar e o Sofá: a nostalgia que abriga o cansaço”
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Queria só deitar agora no sofá, em um dia chuvoso.
Ser recebido por você, mãe, na cozinha, dizendo que estava fazendo o almoço, enquanto me faz, por carinho, uns biscoitos com manteiga e um Nescau. Meu pai, na sala, lê um livro, me recebe com bom dia e mostra o que fez de manhã. Enquanto isso, na TV, passa algum filme da Disney, talvez Bambi, enquanto a sinfonia leve ecoa pelo cômodo. Lorena está dormindo no sofá, porque levantou mais cedo só para dizer que acordou antes de mim, mas não resistiu ao despertar abrupto e se rendeu ao sonhar. Ela é tão pequena. Cabe em um pedaço do braço do sofá.
Eu estou em paz. O som que toca na TV, e as cores, pouco estimulam. São tranquilas. O enredo é pacífico. Como alguns biscoitos, enquanto ouço o vento passar adiante do lado de fora. A chuva cai como pequenas lágrimas cintilantes. Tão pequena. Tão leve. Tão fugidia.
O cheiro de café ecoa pelo cômodo amarelado. A nossa cachorrinha sobe ao sofá e deita ao lado da Lorena, como se fosse parte dela. Acomoda-se e põe-se em guarda, na proteção da sua amada.
Uma vizinha te chama. É primeiro andar, dentro de um apartamento grande. A conversa se ouve em alto e bom tom e vocês se falam com alegria nos olhos, enquanto meu pai levanta e abre a geladeira. Ele me mostra suas compras. Salaminho, cebolinha, picles, champignons. Ele separa um pouco pra mim, em um potinho, escondido de você. Eu gosto.
Pego uma coberta e tampo minhas pernas. Sinto um frio agradável, que sempre gostei. Uma acomodação inenarrável. Um pertencimento infungível. Sinto um leve acolhimento de Hipnos.
Eu acordo. Estou sentado na minha cadeira de trabalho. Algumas canetas caíram no chão. Meu notebook, sempre ligado. A porta do quarto do escritório está fechada. O ambiente é silencioso. Há muitas mensagens no meu WhatsApp. Eu gostava mais quando não sabia o que era isso.
Cobranças, lições, pedidos de ajuda, dúvidas, chamadas, solicitações, requerimentos. Uma máquina ambulante de resolver problemas e ter a solução para tudo. A condição para fazer isso: o capital. E nem tanto, nem tão elevado, nem tão importante ou precioso. E muito menos abundante em minha vida, caso contrário, não estaria aqui.
Não teria acordado. Não teria escrito este texto. Não teria me transportado para esse papel, que não pertenço.
Meu papel era voltar ao Sonhar, para onde posso me encontrar.
Queria só deitar agora em um sofá, em um dia chuvoso.