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Lian’na, a princesa dos bichos (Epílogo)

O time da menina estava perdendo, e ela precisava reverter o placar

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Autor/Imagem:
Cadu Matos - Foto Francisco Filipino

Durante o jogo, até os 20 minutos do segundo tempo, o Falcões estava vencendo por 1 x 0, gol do centroavante, maior rival da princesa na competição. De repente, a bola sobrou para ela, perto da pequena área. Era agora ou nunca!

“A mim, mãe das focas!”, pensou a moça. E encheu o pé.

A bola, caprichosamente, desviou de um zagueiro, resvalou em outro, iludiu o goleiro e foi morrer no fundo da rede. Jogo empatado!

Quando faltavam 4 minutos para o fim da partida, e tudo parecia destinado a ser decidido pela cobrança de penalidades, houve uma falta perto da área em favor do Águias.

– É minha! – gritou Liana, insistindo em cobrar. Um pouco surpresos, os batedores habituais relutaram um pouco, mas acabaram aceitando.

A adolescente respirou fundo, tomou uma certa distância, pediu apoio à ancestral das focas, correu para a pelota e chutou forte.

A bola elevou-se, caiu subitamente – mais que o normal, como que impulsionada por mãos invisíveis – e entrou no gol. O resultado final foi Águias 2 x Falcões 1. Com dois gols, Liana era, incontestavelmente, a grande vencedora individual.

Quando esse resultado foi proclamado, todos os cavalos e cachorros presentes no estádio irromperam em relinchos e latidos de comemoração. O alarido inusitado despertou as suspeitas do gestor-mor do país, o organizador dos jogos. Ele se dirigiu a Liana.

– Mocinha, diga a verdade – indagou, severo. – Você consegue se comunicar com os animais? Isso a ajudou a vencer?

Luana engoliu em seco. Não mentiria, mas não diria uma só palavra sobre as ancestrais das águias e das focas.

– Consigo sim, Excelência – admitiu. – Pedi a meu cavalo que corresse como nunca, e ele correu. Mas nas provas de arco e flecha e no futebol…

Não precisou dizer que não havia animais envolvidos nessas provas, não foi preciso. Ficou em silêncio e abriu um sorriso.

Foi a vez de a multidão irromper em aplausos. A explosão popular silenciou os nobres que já exigiam a anulação da corrida a cavalo, em que seus queridos filhinhos foram derrotados. De qualquer modo, isso não tiraria o primeiro lugar da moça de família humilde. Assim, deram de ombros e desistiram de protestar.

Depois de ficar em silêncio por algum tempo, o gestor-mor pigarreou, para pedir silêncio, e falou:

– Mocinha, como grande vencedora, pelo regulamento você tem o direito de solicitar o que quiser. Peça, que lhe será concedido.

Nesses momentos, o governante recebia geralmente pedidos de dinheiro, de uma casa, coisas assim. Por isso, ficou surpreso quando a adolescente pegou o microfone e falou bem alto, para todo o público:

– Senhor, peço a criação de um cargo público novo, o de Tribuno dos bichos. Ele não poderá ser eleito ou indicado para cargos mais importantes, mas tampouco poderá ser afastado. O cargo será reservado aos humanos que conseguem se comunicar telepaticamente com os animais. O tribuno deverá defender os direitos destes, falar por eles e indicar quais eventuais candidatos se empenham mais na defesa de nossos companheiros de quatro patas.

Por um momento, o gestor-mor ficou sem palavras. Depois, conseguiu gaguejar:

– Ma… mas nem sabemos se existem pessoas com esse poder…

Silenciou, contrariado, lembrando que estava justamente diante de alguém com esse tipo de atributo. Liana aproveitou a oportunidade:

– Ora, Excelência, sou uma delas. Quer apostar que existem no país outras pessoas com esse dom?

E riu, um som cristalino, que conquistou os corações dos humanos presentes ao estádio. Os dos bichos já eram dela fazia tempo.

Liana tornou-se, desse modo, o primeiro Tribuno dos bichos. Confirmando suas previsões, foram descobertos outros três humanos para ocupar o cargo, de habilidades confirmadas telepaticamente pela bicharada e por ela própria. Diga-se que jamais se proclamou princesa, segredo partilhado com os animais e, inevitável, com os demais tribunos.

E assim Lian passou a ser uma espécie de paraíso – não na Terra, infelizmente, e sim em uma dimensão paralela à nossa. Um país sem distâncias abismais entre ricos e pobres, de governantes eleitos, de saúde e educação gratuitas, onde não existem agressões deliberadas nos esportes, onde todos os cidadãos são vegetarianos, onde não existem animais ferozes ou serpentes peçonhentas e os bichos vivem em paz. E, caso único, graças a seus tribunos, conquistaram o direito de se pronunciar sobre a escolha de seus cuidadores.

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