Tribunal invisível
O trabalho que tira da alma a mentalidade da dor
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Se em outra era pensávamos que o local de trabalho era apenas cenário de produção, hoje ele se tornou palco da exaustão emocional. O refinamento jurídico da NR-1 (Norma Regulamentadora nº 1) que agora exige que empregadores identifiquem e previnam riscos psicossociais como estresse, sobrecarga, assédio e pressão emocional deveria ser celebrado. É a política pública fazendo um gesto tateante em direção à saúde mental da classe trabalhadora.
Mas as palavras se dissipam se as fundações permanecem as mesmas. Muitos departamentos de RH ainda desconhecem ou subestimam esses novos dispositivos legais e a cultura produtivista segue agindo como tribunal invisível. Como explica o médico Gustavo Locatelli, lidar com riscos psíquicos exige mais do que saber da lei exige mudança organizacional, coletiva, que só vêm com escuta e politização real.
A Sociologia do Trabalho, com pensadores como Ricardo Antunes, reforça que o trabalhador já não é apenas mão de obra, mas humano sensível, sujeito à pressão de sistemas que valorizam a deadline sobre o descanso, o e-mail sobre o sonho. E não é apenas o burnout que se espalha é a ideia de que adoecer é falhar.
A Antropologia da Emoção, com figuras como Dominique Boullier, mostra que o sofrimento coletivo tem expressões simbólicas: uma falta de clima organizacional, a solidão pós-home office, a queixa que vira meme estratégico. O adoecimento psíquico não é falha individual: é sintoma político.
Por isso, a NR-1 atualizada tem o potencial de ser uma virada: instituir que a mente importa, que o ritmo conta, que liderar não é comandar com pressão, mas inspirar. Se isso for acolhido, teremos plantado um tempo onde o trabalho não impeça o existir.