Saudade de si mesmo
Odorico Paraguaçu vive e está pronto para atos inauguratícios das eleições de 2026
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A saga evangélico-suburbana do ex-presidente Jair Bolsonaro, que atualmente só vive para retomar o poder perdido democraticamente, lembra a lenda nordestina de um personagem da ficção que viveu por conta da morte. A diferença entre eles é o desfecho da história. Bolsonaro sabe para onde vai desde que o golpe que planejou por meses fez água. Prefeito da imaginária Sucupira, o prefeito Odorico Paraguaçu precisou esperar até o último capítulo da lendária trama para descobrir que seu próprio corpo seria o da inauguração do cemitério que sonhou por fictícias décadas.
As semelhanças se estendem ao narcisismo, pois os dois protagonistas se achavam (um tem certeza) bem-amados. Em cercadinhos ou em palanques improvisados, mas lotados de puxa-sacos, ambos posavam de oradores eruditos à custa de expressões incultas, mas ditas como se fosse triunfos políticos. Aliás, como incontestáveis fábulas, na antológica trama O Bem Amado, de Dias Gomes, e no governo do inventado presidente Jair Messias a característica era a ausência de maniqueísmo.
Patrasmente ou prafrentemente, ou seja, na ficção e na realidade não existiam personagens bons e maus. A impressão comum era de que, salvo os padres, pais de santo, cegos, surdos e mudos, poucos prestavam. Até os colaboradores e inimigos dos “heróis” de anteontem e de ontem se parecem. Principais aliados de Bolsonaro, o pastor Silas Malafaia, o ex-deputado Valdemar da Costa Neto e o senador Ciro Nogueira (PP-PI) estão mais para os situacionistas Dirceu Borboleta, Chico Moleza e Nezinho do Jegue do que para Madame Satã, o homem sem H que tinha duas personalidades: uma de dia e outra de noite. Na verdade, uma de frente e outra de costas.
Com todo respeito, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, a senadora Damares Alves (PL-DF) e a deputada Bia Kicis (PL-DF) bem que poderiam ser associadas às Irmãs Cajazeiras Dorotéia, Judicéia e Dulcinéa, as grandes aliadas de Odorico Paraguaçu. Quanto aos inimigos comuns, as invencionices denominadas Zeca Diabo, o vereador Lulu Gouveia e o jornalista Neco Pedreira, líder da imprensa marronzista, calunista, esquerzóide e subserviente, talvez estejam conectadas hoje com o presidente Luiz Inácio, com o ex-deputado federal Jean Wyllys e com o jornalista Diego Mainard. William Bonner também pode figurar nessa lista.
Transportando para a realidade, Sucupira faz tempo é aqui. Figura criada pelo dramaturgo Dias Gomes no início dos anos 70, Odorico Paraguaçu não morreu. Ele continua com os providenciamentos para se manter vivo na urna eletrônica. De retórica vazia e emérito criador de citações filosóficas atribuídas a personalidades inexistentes, o prefeito da ficção se antecipou em cerca de 50 anos às notícias falsas, as chamadas fake news. A semelhança entre parte dos personagens do folhetim e parte do Brasil verdadeiro é o patriotismo às avessas, aquele em que uma expressiva parcela da população adora ser enganada.
A diferença é que no texto novelístico, as fakes estimulavam conflitos, dividiam a opinião pública, mas não incitavam a violência, tampouco geravam mortes individuais ou coletivas. Obra dos sonhos do prefeito Odorico Paraguaçu, o cemitério da cidade custou a ser inaugurado por falta de mortos. Quem não se lembra que, por aqui, as tais notícias mentirosas obrigaram prefeitos e governadores a ampliar os turnos funerários para darem conta de tantos sepultamentos em curto período. Deixando de lado os entretantos e partindo para os finalmentes, ouso dizer que Odorico está vivíssimo e pronto para os atos inauguratícios das eleições de 2026. Mesmo contra a vontade daquela figura trepidante e dinamitosa do Judiciário, ele permanece habitando os anais menstruais do povo que ainda não atentou para a máxima de que o pior de todos os sentimentos é a saudade de si mesmo. E isso o nosso Odorico tem de sobra.
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Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras