Curta nossa página


DIÁRIO DO ISOLAMENTO

OITO MINICONTOS IMPROVÁVEIS

Publicado

Autor/Imagem:
Gilberto Motta - Texto e Foto

1. “Zás!”

Cérebro vagabundo, indefinível miolo circula/dor de galáxias. O chefe apita o trem. A dor rompe o limite, desanda. Trilha de sangue no trilho de aço. O salto de verniz espelha o sangue; o mundo espreita: menino moído sobre dormentes. Trilhos escarlates. Pernas trêmulas sobem o último degrau. Tranco. Estrondo. Vertigem. Vagões em movimento. Obsessão por histórias essenciais. É hora de reinventar contos para a mulher sobre pernas, sobre saltos. Sobressalto. Sabe que eu gosto muito de… Zás! Súbito, o homem vomita adjetivos pela janela virtual.

2. “Sábias mitologias”

“O senhor é o matador de porcos?”. O senhor é a besta-fera?”. O senhor é o sábio da salvação?”. “O senhor é o capitão do mato?”…”Manhêêê, tem um homem na porta com cara de homem do saco”. “Não, menina. Eu sou apenas o apedeuta insatisfazível de teus sonhos mais profundos”.

3. “A faquira digital”

Zarda, a faquira fake, fazendo abstinência sexual em praça pública. Deitada sobre a cama de pregos digita poemas transcendentais. Zardoz, o mitólogo, medita, enrolado em cobras holográficas que dançam música futurista. Na grande tela de cristal líquido pisca o anúncio: “Conheça o seu futuro e faça abstinência total”.

4. “Amores daltônicos”

ELE (romântico): “Sendo dois, seremos um. Libertaremos sons pagãos de Hermeto à Zappa, passando por Villa Lobos e mergulhando em Schönberg. As noites serão eternas. Nunca mais apenas brancas ou pretas”

ELA (cortante): “Esqueceu?… eu sou daltônica, porra!

O dia amanheceu com um estranho arco-íris abraçando a cidade.

5. “Amores virtuais”

Todos os dias as lembranças se apagam. Frágeis e amareladas. Velhas cartas que se esfarelam. Mas a criatura surge sempre quase real. Visitas inesperadas. Nada ficou por explorar. A descoberta, a atração, o desejo, a paixão, a parceria, o desamor, a fuga. Só ficou a memória do amor. E os dedos polegares a ditar o espaço vazio entre as mãos.

6. “Amores virulentos”

Naquele turbilhão de volúpia havia um quê de velhacaria. A gringa ufanava-se do Brasil. Sem deixar dúvidas sobre suas intenções, chegava a propor uma viagem a sós. Justo ela, toda volumosamente correta, em claro contraste ao traste do homem de mãozinhas gordas. Naquela certeza um tanto tonta, ele multiplicava projetos e peripécias lascivas. Ela assentia. Súbido, o homem foi clicar no botão errado. Explodiu possibilidades, intenções qualificadas. ENTER e zás! Infectou de vírus o novíssimo pc comprado em 36 vezes, no cartão, para libidinosos amores virtuais.

7. “E nenhuma explicação”

Penso em escritos soltos, rabiscos de viagem, quebra-cabeças de alto impacto, impressões instantâneas e resoluções lentas, ruminadas. Caleidoscópios/palavras/imagens. Liquidificador de sentidos, pixels, flashs. Perambulâncias, olhares roubados. Vagabundanças. Movimento do viver. Retalhos do cotidiano. Cenas que acenam. Vertigens virtuais.

8. “Escritos são genes virtuais”

Contar e escrever as histórias. Dar voz aos anônimos, aos invisíveis e assim, encontrar as próprias narrativas. Eu continuo arrumando os livros e rabiscando e escrevendo e entupindo o HD e os arquivos e as telas. Mesmo que sejam bites, algoritmos, ilusões no ciberespaço. Não transformar os rabiscos/escritos em lixo. Juntar o que escrevemos para que não desapareçam dentro dos laptops, dos notebooks, dos smartfones. Buracos-negros do ciberespaço. Imagine só a solidão de almas de cada sílaba, cada palavra, cada frase contida nos textos/bites perdidos? Rabiscos são gentes. Escritos são genes virtuais.

…………………….

Gilberto Motta é escritor, jornalista e professor/pesquisador de textos, formas e cada vez mais “assassino” de palavras: sobram os sentidos. Vive na Guarda do Embaú, pequena comunidade de pescadores e turistas no litoral Sul de SC.

Publicidade
Publicidade

Copyright ® 1999-2025 Notibras. Nosso conteúdo jornalístico é complementado pelos serviços da Agência Brasil, Agência Brasília, Agência Distrital, Agência UnB, assessorias de imprensa e colaboradores independentes.