Autor de renome
Omar era escritor, mas amargava uma imerecida obscuridade
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Omar era escritor, mas amargava uma imerecida obscuridade. Publicara, por conta própria, três romances de razoáveis para bons – excelentes, na sua enviesada opinião –, que passaram desapercebidos pela crítica e foram ignorados pelo público. Não era um caso único nas letras brasileiras, longe disso.
Certo dia, ao ler um romance de um (argh) autor de renome, percebeu, assustado, que conseguia prever o que seria escrito nos parágrafos seguintes. Não palavra por palavra, claro, mas a ideia geral. Para testar a coisa, leu parágrafos aleatórios, separados por várias páginas e, sim, podia dizer o que vinha em seguida.
Quando se acalmou, levantou hipóteses para explicar o fenômeno. A mais favorável era que, por algum motivo, estava sintonizado com a mente do autor. A outra possibilidade era a de estar alucinando. Tremeu só de pensar nisso.
À noite, assistiu a uma entrevista na televisão com outro (argh) autor de renome. Ele falou do romance que estava escrevendo – e Omar percebeu, aliviado, que não estava sofrendo de alucinações. Das palavras do romancista sobre a obra, conseguia perceber a sua estrutura, a que o escritor apenas aludia, e especialmente a magnífica parte final, reviravolta na trama que coroaria uma obra-prima.
O escritor obscuro morreu de inveja, mas então, teve a IDEIA. Seria um pontapé na bunda de seus princípios éticos, mas se tornar um autor de renome valia uma falcatruazinha ou duas… Só que precisaria lutar contra o tempo.
Para começar, imaginou uma trama menos elaborada, mas que conduzisse à consagradora parte final imaginada pelo confrade. E passou a produzi-la, trabalhando num ritmo enlouquecedor. Ele a concluiu em pouco mais de um mês; e então colocou sobre ela a abóbada literária que consagraria não um, mas dois romancistas. Em seguida, desbastou a parte inicial, tornando-a menos tosca; a parte final simplesmente estava perfeita.
O passo seguinte foi imprimir seu livro, mais uma vez por conta própria. “É a última vez que faço isso”, pensou, confiante.
Quando soube, pelos suplementos literários, que a obra do autor de renome (dessa vez sem argh, não tinha mais inveja ou rancor dos escritores bem-sucedidos, logo seria um deles) fora encaminhada à impressão, Omar enviou seu livro aos críticos literários. Recebeu algumas observações favoráveis, que destacavam a surpreendente conclusão. E esperou pelo lançamento do livro do confrade.
Este ocorreu com pompa e circunstância, mas uma inusitada nuvem de silêncio logo o envolveu. Dias depois, porém, como Omar esperava, um crítico mais corajoso, talvez de fora da panelinha, apontou as semelhanças entre o texto do autor de renome e o do quase desconhecido Omar, o qual, detalhe, publicara antes. O universo beletrista tremeu nas bases, ele foi entrevistado vezes sem conta, e respondia sempre:
– Tenho certeza de que não houve plágio. O que ocorreu foi uma convergência, uma parceria involuntária, um ardil de nossos psiquismos.
Resultado, os dois livros conquistaram o público. Mais que isso, os críticos decidiram-se, afinal, a ler os três romances de Omar, o obscuro, constataram que eram bons e os louvaram em suas colunas. A cereja do bolo foi a decisão de uma editora de republicar os quatro livros de Omar – os três anteriores e o da “parceria involuntária” – dessa vez com tiragens bem razoáveis.
Hoje, o antes obscuro Omar é um autor de renome, tendo cadeira cativa no Olimpo literário brasileiro. Consciente de sua trajetória no mínimo inusitada, jamais permitiu que a glória o inebriasse, tem sempre uma palavra gentil para os autores que esperam por um lugar ao sol, não se importa em ler e comentar seus manuscritos. Diga-se que para ele não é muito trabalhoso, sabe sempre o que a trama contém com um ou dois parágrafos de antecedência…