Curta nossa página


Saúde na UTI

Onda aguda de denuncismo dói no Piauí como uma crise renal

Publicado

Autor/Imagem:
João Zisman - Foto de Arquivo

As operações Difusão e Omni, deflagradas pela Polícia Federal em parceria com a Controladoria-Geral da União e o Tribunal de Contas do Estado do Piauí, acenderam um alerta sobre o que especialistas chamam de um novo ciclo de denuncismo no setor de saúde do estado. Mais do que investigar irregularidades, as ações acabaram revelando um cenário de disputas de influência, rivalidades empresariais e uma suposta seletividade investigativa, com efeitos que ultrapassam o objetivo inicial de garantir transparência nos contratos públicos.

O foco das apurações recaiu sobre as empresas Medicar Assistência Médica Ltda. e Senevas Serviços Nefrológicos do Vale do Sambito Ltda., duas das três vencedoras da licitação da Secretaria de Estado da Saúde para serviços de hemodiálise. A terceira empresa, a UTR Agudos Ltda., também contratada para o mesmo tipo de atendimento, ficou de fora da operação, o que levantou questionamentos sobre os critérios utilizados e alimentou a percepção de desequilíbrio na escolha dos alvos. Seria apenas uma coincidência ou pesaram também vínculos familiares e proximidades com autoridades policiais que atuam no próprio estado?

O próprio relatório técnico que serviu de base para parte das apurações, elaborado no âmbito da Controladoria-Geral da União, também cita a UTR Agudos entre as empresas contratadas pela Sesapi. No entanto, o documento não aponta qualquer irregularidade ou inconformidade em relação à empresa, limitando-se a registrar sua participação no mesmo certame das investigadas. O mesmo relatório menciona outras prestadoras de serviços do setor, como Big Data Health, Sparta Hospitalar, Grave Intensivismo, PJM Serviços Médicos e Nemos Empreendimentos, ampliando o escopo das averiguações e reforçando o debate sobre a coerência dos critérios de seleção dos alvos.

Nos bastidores da nefrologia, o caso é tratado como exemplo de como o denuncismo pode se sobrepor à técnica. A redistribuição recente de contratos e lotes gerou insatisfação entre grupos empresariais, criando um terreno fértil para denúncias sucessivas, representações cruzadas e suspeitas recíprocas, muitas delas sem consistência documental. O resultado é um clima de insegurança jurídica e de desconfiança generalizada, onde cada ação é interpretada como resposta a outra.

A UTR Agudos, que mantém contratos regulares com a Secretaria de Saúde e com Organizações Sociais de Saúde, não é alvo de investigação e segue prestando serviços normalmente em unidades hospitalares do interior do estado. Ainda assim, sua ausência da lista de investigadas reacendeu o debate sobre a suposta seletividade e os limites da atuação dos órgãos de controle, sobretudo quando diferentes empresas executam o mesmo tipo de contrato.

Especialistas em governança pública alertam para o risco da chamada pesca probatória, expressão usada quando o escopo de uma investigação se amplia sem base clara em novos fatos. Esse tipo de condução, afirmam, pode comprometer a credibilidade das instituições, especialmente quando coincide com disputas comerciais ou políticas em setores de alto valor econômico.

O caso do Piauí é ilustrativo de um fenômeno maior: o avanço do denuncismo como método de disputa de poder. Quando a lógica da denúncia se impõe sobre a busca de provas, a verdade passa a ser um detalhe, e o Estado, sem perceber, transforma-se em instrumento das rivalidades que deveria arbitrar. Em tempos em que a transparência é palavra de ordem, prudência e equilíbrio são virtudes tão necessárias quanto a fiscalização.

Publicidade
Publicidade

Copyright ® 1999-2025 Notibras. Nosso conteúdo jornalístico é complementado pelos serviços da Agência Brasil, Agência Brasília, Agência Distrital, Agência UnB, assessorias de imprensa e colaboradores independentes.