Um mundo infinito
Orlando não queria mais a minhoca na ponta do anzol
Publicado
em
Não se sabe se enlouqueceu quando desejou desistir daquela vida e buscar obscuras trilhas ou, então, loucos eram os demais, que preferiam continuar na mesmice, talvez porque não percebessem que aquilo era engodo que nem minhoca na ponta do anzol.
— Você está bem, Orlando?
Nem mesmo um mísero “Hum?”. O sujeito parecia alheio a tudo e a todos, como se sua mente estivesse absorta. Que lugar estranho era aquele, onde pensamentos são livres? Aquilo era aceitável?
— Orlando. Orlando! Você está me ouvindo?
— Ih, acho que ele pirou de vez.
— Sabe o que aconteceu com ele?
— Acho que foi porque ficou trancado numa biblioteca no final de semana.
— Sério?
— Seriíssimo!
— Coitado. Será que viu fantasma?
— Pior.
— Pior?
— Livros.
— Livros?
— Sim, livros.
— Nossa! Coitado.
— Pois é. É de dar dor.
— Será que tem cura?
— Segundo ouvi, é caso perdido.
— Ih, coitadinho!
— E já prenderam o culpado?
— Parece que foi caso pensado.
— Pensado?
— Sim, ele se escondeu atrás das estantes com aqueles livros todos.
— E ninguém viu?
— Só na segunda-feira, quando abriram a biblioteca. O pobre coitado estava fascinado por um volume de um tal… Como é mesmo o nome?
— Sei lá! Tá me estranhando?
— Claro que não! Sei bem que a sua índole é honesta. Mas era alguma ferramenta.
— Ferramenta?
— Sim, o nome do culpado.
— Bom sujeito é que não pode ser, meu amigo.
— É verdade! Ah, me lembrei!
— Lembrou?
— Sim! O tal autor do livro.
— E quem é esse criminoso?
— Machado.
— Machado?
— Machado!
— Eita! Nunca ouvi falar.
— Nem eu.
— Tem certeza de que era mesmo esse o nome, meu amigo?
— Sim. Achei engraçado.
— Engraçado?
— É que o sujeito também tinha um nome de mulher.
— De mulher?
— Sim. Maria.
— Maria?
— Ah, então, era uma mulher.
— Não.
— Não?
— Não!
— E como é que isso é possível?
— É que o bandido se chamava Joaquim Maria Machado de Assis.
— Com um nome desses, sujeito direito é que não pode ser.
— Pois é. Pobre Orlando.
— Pobrezinho.
Sorriso desajustado no rosto, Orlando foi carregado por trogloditas, que, inutilmente, tentaram fazer com que ele largasse aquele livro. Nem capitulou. Bendito livro, por sinal!
……………………
Eduardo Martínez é autor do livro ’57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’ (Vencedor do Prêmio Literário Clarice Lispector – 2025 na categoria livro de contos).
Compre aqui
https://www.joanineditora.com.br/57-contos-e-cronicas-por-um-autor-muito-velho