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Ah, Charles Preto

Pacotão, antes crítico, virou tema de piada no Carnaval

Publicado

Autor/Imagem:
Kleber Ferriche

A irreverência pode ser a explicação oferecida pelos responsáveis do bloco Pacotão, entre outras coisas, para o texto da faixa fixada sobre a cabine do seu caminhão de som. O velho Charles Preto, que por anos reuniu jornalistas e a comunidade intelectual, com muito sacrifício, pode estar agora pulando nos céus. Não pelo Carnaval, mas de raiva.

Os coleguinhas criaram um novo adjetivo: ANCIOSA. Uma referência pouco entendida sobre a primeira-dama Marcela Temer. Será que vem de um novo verbo, provavelmente “anciosar”, tornar-se mais velha, talvez. É isso?

Especialmente nos anos 80, os anjos da comunicação que cercavam o velho Charles, faziam do Pacotão um palco de protesto irreverente, ácido, divertido e inteligente. No Clube da Imprensa eram reunidas as famílias das redações que produziam, entre muitos goles de rabos-de-galo e churrasco comunitário, faixas, marchinhas e o autêntico deboche político que não poupava ninguém.

É antológico o Carnaval do Pacotão em que o tema foi o filme de Jean-Luc Godard de 1985, Je vous salue, Marie, cuja exibição foi proibida pelo pudico e angelical presidente José Sarney. Aliás, o tema não era propriamente o filme, mas Sarney e a sua censura, feita a pedido, dizem, de Dona Marly Sarney, que não gostou do que viu e ficou escandalizada com Godard.

Prato cheio para o Pacotão que à época não inventou neologismos incompreensíveis para protestar. Hoje, quando o famoso casal já “anciosou” de tanta presença na história brasileira, o Pacotão foi renovado, ganhou cara nova e está irreconhecível.

No domingo, 11, na Quadra 304 Norte, local da concentração, havia um caminhão de som – inclusive o da faixa – para cada 20 foliões. Nenhum propagou ao menos um único acorde de marchinhas de Carnaval. Locutores, do alto das imensas estruturas móveis, divulgavam propaganda de pré-candidatos políticos e de protestos a temas que serão votados na Câmara dos Deputados, com torcidinha organizada, uniformezinhos verdes, sanduichezinhos de mortadela e água mineral. E ninguém interessado nos temas.

Durante quatro horas foram os donos da rua, interferindo naquele que foi o bloco mais tradicional de Brasília. A falta de sensibilidade encheu o saco de quem queria apenas diversão.

Se falta também dicionário nas fileiras do Pacotão, faltou bom senso ao patrocinador empresário que mandou sua tropa para lá fazer política (deu um tiro no pé) e aos desrespeitosos manifestantes contrários à PEC 287, patrocinados ninguém sabe por quem.

Será que anarquizaram tudo só por causa da faixa? Ou confundiram um momento tradicional com algo muito além dos autênticos protestos da velha guarda do Pacotão?

Caminhar pela contramão das avenidas foi outra forma de afirmação do sentimento crítico que a imprensa elaborada e reprimida mantinha aceso nos bastidores. Aos poucos perdemos mais um ícone autenticamente brasiliense. Não eram encontrados sanitários químicos nem nas extremidades de saída e chegada do percurso, embora tenha sido registrada a presença de um veículo do GDF com adesivo da Vigilância Sanitária rondando as imediações da 504 Sul.

Tudo bem, estavam de plantão para verificar a qualidade do cachorro-quente e da cerveja vendidos, mas não custava observar que não havia onde depositar o sólido e o líquido depois de processados pelos participantes, inclusive idosos e crianças. Todos queriam poupar as moitas e os pilares, mas não havia opção.

Pelo menos agora haverá um tema inédito para o Carnaval do próximo ano: o Pacotão de 2018. Esperamos não estar tão “anciosos” até lá a ponto de não pular. Desculpe aí, Charles.

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