Chuva
Pai morto, irmãs discutem sobre seus sofrimentos
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Papai havia morrido. Depois do enterro, as duas filhas, abaladas, sentavam-se frente a frente e conversavam sobre seus sofrimentos de irmãs. Das quatro cadeiras de madeira da sala de jantar, duas estavam vazias. A mãe havia morrido no parto da última filha e, agora, fora a hora do patriarca.
O céu lá fora ameaça alguma chuva e ainda parecia que havia alguma presença ali, naquele canto da mesa onde ele sempre se sentara. O perfume do cigarro de palha não estava mais lá, mas ambas as filhas ainda sentiam aquele cheiro característico. A mais nova, cuidadosa que era, iria, como de costume, passar o café do final da tarde para que seu velho pai o tomasse.
A mais velha, extremamente racional, já ralharia: “tosca! Assim, papai não dormirá”. As lembranças balburdiavam no silêncio. Elas se entreolhavam, agora, frente a frente, caladas. Não havia forças para dizer coisas quaisquer.
O pôr do sol já se ia rolando atrás das nuvens nubladas. Apesar de ninguém ver raio de sol algum, a estrela permanecia a brilhar. A chuva apareceu e logo se fortificou, fazendo com que a mais velha, desolada, quebrasse a mudez da sala:
— Papai não merecia estar agora todo enlameado.
Os olhos da mais nova se encheram de água, como as nuvens que tampavam o sol, e, tentando dar um leve sorriso, respondeu:
— Sempre vi os pingos de chuva como os beijos de Deus.