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'Vai embuchar'

Paixonite aguda faz Sandrinha cair no mundo

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Reprodução/Freepik

Sandrinha, batizada, registrada e escarrada Sandra Gomes Pereira, era costumeiramente chamada pelo diminutivo, não apenas pelos familiares, como também pela vizinhança, que não perdia a oportunidade de alfinetar o menor deslize de quem quer que fosse. É verdade que, aos defuntos de última hora, eram reservadas condolências, quase nunca sinceras, mas que o momento requer. Meras formalidades de ocasião, logo esquecidas no final de um ou dois meses, quando muito, pois uma semana, na maior parte dos casos, já estava de bom tamanho.

Aos 15, a mocinha resolveu se engraçar para o lado do Reinaldo, o rapazola mais popular da redondeza. Não que fosse mais bonito ou mais inteligente que os demais. Nem mais rico, diga-se de passagem, pois era do tipo que vende o almoço para garantir a janta. No entanto, lábia era o que não lhe faltava.

Completamente fisgada, Sandrinha não tinha cabeça para mais nada além do aconchego dos braços do gajo. Os pais, aflitos, tentaram de tudo, até ameaças de tirá-la do testamento, como se possuíssem bens para tal. Que nada! Assim como todos no local, mal possuíam para comer e vestir. Viviam contando os vinténs para não perderem o tênue crédito na venda da esquina.

Assim que o namorico caiu nos ouvidos dos moradores da rua, foi aquele falatório: “Não tarda, aparece buchuda!”, “Daqui a pouco, essa aí cai no mundo!”, “Tenho pena, não. Quem procura acha!”, “Isso é falta de uma boa surra!”, “Essa rapariga nunca me enganou!”

Os pais da Sandrinha, sem terem mais saliva para orientar a filha, chamaram o padre. Não resolveu. Tentaram o pastor, mas logo perceberam as intenções distorcidas do homem. Apelaram para a Dona Clô, renomada na região por conta de vários trabalhos de descarrego. Que nada! Parece que o feitiço do Don Juan era mais anafado.

Tudo parecia perdido quando, numa tardezinha de sexta-feira, eis que a garota, mal entrou em casa, viu a mãe derramada no sofá da sala, chorosa. O pai, defronte à janela, fumava mais um cigarro. Seus olhos, ao longe, não enxergavam solução para aquele caso perdido. A filha, o homem agora tinha certeza, estava perdida no mundo.

Sandrinha, quase na ponta dos pés, foi ter com a mãe. Abraçou-a e, arrependida que estava, jurou que nunca mais iria ter com o Reinaldo. O pai, vendo aquelas duas em pranto, foi se juntar à reunião de soluços e lágrimas.

– Você quer tomar um chá, minha filha?

– Quero, sim, mamãe.

Em poucos minutos, a mesa estava posta com chá e torradas amanteigadas. Os três se sentaram e degustaram aquela iguaria maternal. Sandrinha se mostrou realmente arrependida pelos seus últimos atos. Como é que ela se deixou levar por aquela paixão? Não! Aquilo havia de terminar ali mesmo! Acabou e pronto! Nada mais de Reinaldo ou qualquer outro.

Por volta das nove, foi se deitar. Já era mais que hora de uma mocinha estar na cama. O remorso a corroía, ainda mais porque Sandrinha havia percebido o mal que havia proporcionado aos pais e, em especial, à sua doce amada mãezinha. Nunca mais! A lição havia sido aprendida.

Já pela manhã, um sábado ensolarado, a mãe acordou bem cedo e foi preparar o café da manhã. O marido, atraído pelo cheiro de pão quentinho, logo apareceu. Os dois se abraçaram, trocaram beijos e suspiros. O alívio de ter a filha de volta havia trazido conforto ao seio familiar. Sentaram-se à mesa e, enquanto faziam o dejejum, perceberam que Sandrinha continuava dormindo.

A mãe, talvez mais zelosa, levantou-se e foi até o quarto da menina. Abriu a porta bem devagar para não despertar a filha quando, então, não a encontrou. Cama feita, janela aberta. Olhos arregalados, a mulher constatou o inevitável. Os hormônios haviam falado mais alto.

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