Guerra insana
Palestinos de Gaza morrem com bombas, mas também com tiros na fila da comida
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Quando eu era adolescente e frequentava a escola, pensava, com a esperança ingênua típica da juventude, que o mundo havia aprendido com os horrores da Segunda Guerra Mundial. As imagens dos campos de concentração, as histórias de famílias inteiras destruídas, os relatos de fome, perseguição e extermínio me causavam um nó no estômago, mas também me davam a certeza de que aquilo jamais se repetiria. Acreditava que a humanidade, diante de tamanha brutalidade, havia sido transformada. Que a dor de tantos inocentes tinha ensinado algo. Que a civilização seguiria em frente mais sensível, mais cuidadosa, mais humana.
Mas hoje, em pleno 2025, me vejo perdendo essa fé quase todos os dias. Ainda me pego estarrecida diante das manchetes. Ainda me choco quando leio que Israel disparou contra civis que estavam tentando buscar alimentos. Alimentos. Não armas, não escudos, não ameaças. Comida. Gente desarmada, faminta, desesperada. Gente que estava em fila para tentar garantir o mínimo necessário à sobrevivência de suas famílias.
É impossível não imaginar se fosse eu. Se fosse eu ali, andando quilômetros com o corpo cansado, com os pés doendo, o rosto coberto de poeira, empurrando uma esperança frágil adiante só para tentar conseguir um pouco de arroz, talvez uma fruta, um pacote de farinha. E se fosse a minha filha chorando de fome, me olhando com aqueles olhinhos que não entendem o porquê da comida não vir, que não compreendem o motivo dos tiros, das explosões, do medo que se esconde nos olhos dos adultos?
É uma dor que não dá para racionalizar. É uma vergonha que não pertence só a quem aperta o gatilho, mas a toda a humanidade que permite que isso continue acontecendo. Que silencia, que se omite, que vira o rosto, que relativiza o sofrimento.
Eu queria ainda acreditar, como acreditava na adolescência, que as tragédias do passado serviriam de alerta eterno. Mas talvez o tempo faça a memória adoecer. Talvez a fome alheia só nos pareça intolerável quando conseguimos imaginá-la em nossos próprios corpos, em nossas próprias casas. Talvez ainda não tenhamos aprendido nada. E isso me entristece profundamente.